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Presidente argentino divulgou uma criptomoeda em suas redes sociais poucos minutos após seu lançamento. Depois de milhares de pessoas tomarem prejuízo com o investimento, o governo abriu uma investigação. Javier Milei participa do G20 no RioPablo Porciuncula/AFPO presidente da Argentina, Javier Milei, se tornou o centro de uma polêmica que já rendeu acusações por fraude, abertura de investigações pelo próprio governo e pedidos de impeachment pela oposição. Isso ocorre após o político promover, na noite da última sexta-feira (14) uma criptomoeda, batizada de $LIBRA, lançada apenas minutos antes da publicação. Assim que Milei divulgou a criptomoeda, o ativo passou por uma supervalorização que levou sua cotação de US$ 0,25 para US$ 5,54 em poucos minutos. Somente algumas horas, depois, porém, o valor da $LIBRA despencou para US$ 0,96, deixando milhares de pessoas no prejuízo.LEIA TAMBÉMMilei x $LIBRA: o que se sabe sobre o esquema que fez evaporar milhões de dólares3 chaves para entender o escândalo de criptomoeda envolvendo Javier MileiMilei e $Libra: quem é Hayden Davis, o empresário pivô do escândalo de criptomoedas que teria dito que 'controla' presidente da ArgentinaPara além das investigações sobre a suposta fraude cometida pelos criadores da criptomoeda e por Milei, especialistas do universo de criptoativos garantem que essa polêmica pode ensinar algumas lições valiosas para quem pensa em investir — de entender os tipos de fraudes a identificar sinais de alerta de que o investimento pode ser uma furada.Entenda nesta reportagem:O que aconteceu com a $LIBRAO que é a "puxada de tapete", suposta fraude cometida com a criptomoedaPor que o universo cripto é palco para diversos golpesQuais os cuidados necessários na hora de investir em criptomoedasJavier Milei sobre criptomoeda: 'Não a promovi, eu a divulguei'O que aconteceu com a $LIBRAAntes de falar sobre os cuidados na hora de investir, é importante dar um passo atrás para entender como a confusão envolvendo Milei e a criptomoeda se desenrolou.Segundo apuração do jornal argentino "La Nación" com a ajuda do engenheiro de dados especializado em criptomoedas, Fernando Molina, a $LIBRA foi registrada e lançada na plataforma de criptoativos Solana às 18h37 da sexta-feira passada. Nos primeiros minutos de existência do ativo, nenhuma movimentação foi feita — ou seja, ninguém comprou nem vendeu a moeda.Às 19h01 Milei publicou o tweet promovendo o ativo. Na rede social X, o presidente escreveu que a $LIBRA seria a base de um projeto para financiar pequenos negócios na Argentina, chamado "Viva la Libertad", uma referência a seu famoso slogan de campanha. Ele também incluiu na postagem um link para a compra do ativo.Assim que o tweet foi feito, há registros das primeiras compras da criptomoeda, todas em valores altos, de milhares a milhões de dólares, e algumas, inclusive, em cifras exatamente iguais. Para Molina, esse movimento indica que a compra foi feita por robôs, que foram programados para comprar a criptomoeda assim que Milei fizesse o tweet. Para que os robôs realizassem essas compras, contudo, os investidores responsáveis por programá-los precisariam ter acesso a uma informação privilegiada: saber que Milei faria a tal publicação.Esses primeiros investimentos e a corrida de outros milhares de investidores menores incentivados por Milei fizeram o valor da $LIBRA disparar em pouco mais de uma hora do seu lançamento. Com essa supervalorização, os primeiros grandes investidores da criptomoeda passaram a vender enormes quantidades de $LIBRA, fazendo lucros milionários. E essa retirada do dinheiro fez o ativo colapsar e derreter — lucros para alguns e prejuízo para milhares.A resposta de Milei a escândalo de criptomoedas: 'Se você vai ao cassino e perde dinheiro, qual a reclamação?'Voltar ao inícioO que é a "puxada de tapete"Caio Leta, líder de conteúdo e pesquisa da empresa especializada em bitcoin Bipa, explica que as movimentações feitas com a $LIBRA parecem configurar uma fraude conhecida como "rug pull" (ou "puxada de tapete", no português).O especialista explica que o "rug pull" é um golpe comum no ecossistema cripto, em que os desenvolvedores de um projeto (como os criadores da $LIBRA, por exemplo) abandonam repentinamente o projeto e embolsam o dinheiro dos investidores tardios."O termo vem da ideia de 'puxar o tapete' debaixo dos pés dos investidores, deixando-os sem liquidez e sem valor", destaca Leta.No caso da $LIBRA, a suposição até aqui é que os criadores da criptomoeda lançaram o ativo pouco tempo antes de Milei publicar seu tweet para que conseguissem comprar uma grande quantidade da moeda antes de uma supervalorização causada pelo alto interesse de investidores. Com isso, o ativo teve uma alta artificial, causada apenas pela chancela de Milei. Com a rentabilidade elevada, os criadores da criptomoeda, que detinham uma alta quantidade das cotas, vendem tudo ou quase tudo para efetivar os lucros. A queda é drástica na cotação porque muitas parcelas são vendidas simultaneamente.Leta pontua que essa é uma das três formas mais populares de usar a manobra do "rug pull". "É a venda massiva pelos próprios criadores. Os fundadores mantêm uma grande quantidade de tokens e, depois de atrair investidores, despejam suas moedas no mercado, fazendo o preço despencar".As outras formas de "puxar o tapete" são:Excesso de controle sobre a liquidez (que é a capacidade e facilidade do ativo de ser convertido em dinheiro real): os criadores da criptomoeda colocam seus tokens (unidades da moeda) em uma corretora descentralizada (DEX, na sigla em inglês). Mas, quando o valor do ativo sobe, eles retiram o dinheiro disponível para negociação, impossibilitando outros investidores de vender seus ativos. Código malicioso: o sistema do projeto tem comandos escondidos que permitem aos criadores gerar quantos tokens da criptomoeda quiserem, o que desvaloriza o preço da moeda, ou até impedir que os investidores vendam os seus ativos.Argentina de Milei: o que mudou um ano após o Plano MotosserraVoltar ao inícioPor que o universo cripto é palco para diversos golpes"Esse tipo de golpe é extremamente comum no ecossistema das criptomoedas", comenta Caio Leta. Um estudo da corretora de criptomoedas Bitget mostrou que, do início de 2022 a junho de 2024, as perdas no mercado de criptomoedas por operações fraudulentas já totalizam US$ 79,1 bilhões (cerca de R$ 429,4 bilhões, na cotação da época).O especialista destaca que isso acontece com facilidade porque o ecossistema dos criptoativos não é regulado. Na prática, isso significa que é fácil para os golpistas, que podem passar ilesos muitas vezes, fazer propagandas enganosas."É como se uma lanchonete pudesse anunciar que seu x-burguer cura o câncer, pois não existe um Procon regulando e a proibindo de fazer isso", compara Leta. Outras fraudes populares também rondam o universo cripto, com destaque para os esquemas de pirâmide financeira — quando uma pessoa promete altos retornos, mas, para isso, outras precisam entrar no esquema e fazer o mesmo investimento. Assim, as primeiras pessoas que entram no esquema e atraem outros investidores conseguem obter bons retornos, mas quando o processo para de atrair novas pessoas, a rentabilidade deixa de existir."Cada uma dessas práticas tem mecanismos distintos, mas a essência pode ser semelhante: os criadores dos ativos se aproveitam da ganância e busca por lucro rápido das pessoas para vender 'oportunidades'. Pode-se dizer que um rug pull é uma versão moderna e mais rápida de pirâmide", explica Leta.Além das fraudes, outro fator que pode gerar prejuízos expressivos para os investidores mais desatentos é o ciclo de vida muito curto de um tipo de criptomoedas: as memecoins. Memecoins – também conhecidas como moedas-meme –, são criptomoedas normalmente inspiradas em memes, personagens ou tendências da internet. Como não há regulamentação no mercado cripto, qualquer um pode criar e ter sua memecoin.Para que as memecoins atraiam investidores e tenham boa rentabilidade, um fator importante é a forte adesão pública, muitas vezes impulsionada pelo apoio de figuras públicas, como o que aconteceu com Milei e a $LIBRA.Por não terem segurança e serem ativos extremamente voláteis, com grande possibilidade de quedas e prejuízos enormes, as memecoins morrem muito rápido.Um estudo da plataforma cripto Chainplay de 2024 com mais de 30 mil memecoins mostrou que 97% de todas elas já morreram. A expectativa de vida média desse tipo de ativo é de apenas um ano, enquanto o tempo estimado par outros projetos cripto é de três anos.Outros números alarmantes revelados pelo estudo é que pelo menos um terço dos investidores que já apostaram nas memecoins perderam dinheiro e cerca de 55% das memecoins já criadas são projetos maliciosos.Voltar ao inícioQuais os cuidados necessários na hora de investir em criptomoedasEm um cenário que pode ser tão arriscado para os investidores, é consenso entre especialistas que é preciso ter cuidado antes de colocar dinheiro em um criptoativo.O primeiro e mais importante ponto de atenção, segundo Murilo Cortina, diretor comercial da QR Asset Management, é que o dinheiro para investir em um criptoativo novo só pode ser uma quantia que não faça diferença na vida e nas contas do investidor."Nunca é aconselhável tomar muito risco e prejudicar sua vida financeira com investimentos com promessa de valorização extrema em um curtíssimo prazo", comenta Cortina.Além disso, Caio Leta, da Bita, destaca sete sinais de alerta que devem ser observados antes de tomar uma decisão de investimento em uma criptomoeda:1?? Se o projeto promete rendimentos fixos ou retornos garantidos, esse é o maior sinal de alerta, porque as criptomoedas são ativos de renda variável e não há como saber qual será a rentabilidade na hora de investir — não dá para saber sequer se investimento dará lucro ou prejuízo.2?? A criptomoeda que tem desenvolvedores anônimos ou, mesmo que conhecidos, não tenham um histórico confiável, é sempre um sinal de alerta. Além disso, o investidor precisa desconfiar se o site oficial do projeto não apresentar informações claras sobre a equipe. Também vale buscar os perfis profissionais dos fundadores nas redes sociais.3??Poucas carteiras de investidores possuem grandes quantidades de tokens (unidades) do criptoativo — o que supostamente aconteceu com a $LIBRA. Taxas de transferência ou de venda excessivamente altas também podem indicar que será difícil se desfazer daquele ativo. 4??Pressão de marketing para o investimento no ativo, com muitas figuras públicas estimulando a compra e mensagens que criem uma sensação de que o investidor tem que aproveitar a oportunidade rapidamente.5??Uma documentação técnica do ativo mal escrita ou confusa e nebulosa. Um bom projeto de criptomoeda deve ter descrições originais e bem escritas, com explicações claras sobre seus objetivos e utilidades, além de disponibilizar e auditar seu código-fonte.6??Comunidades criadas para a criptomoeda dominadas por robôs ou contas falsas e censura à realização de perguntas críticas ou técnicas.7??A estrutura do projeto também deve ser analisada, com atenção a três principais pontos que devem ser evitados: mecanismos complexos de "recompensa" pouco explicados, dependência de novos investidores para gerar retornos, ausência de caso de uso real além da especulação.Mesmo com os golpes que existem, os especialistas ouvido pelo g1 concordam que o universo de criptomoedas pode oferecer boas oportunidades, quando bem analisadas e colocando uma quantia de dinheiro que não vai afetar o bom funcionamento da vida financeira.Para Murilo Cortina, da QR Asset, "deixar de investir em criptoativos significa perder a chance de participar de uma tecnologia que promete revolucionar nosso mundo, assim como a internet fez no passado. Podemos encarar o blockchain como a próxima evolução da internet". "Da mesma forma que, ao investir na bolsa, não há uma única ação ou poucas que sejam as melhores para qualquer cenário, o universo cripto também requer composição diversificada de ativos, que pode variar conforme o mercado se movimenta. Por isso, o mais recomendado é contar com ajuda profissional para navegar nesse contexto de forma consciente e focada no longo prazo", conclui Cortina.Voltar ao início