É como se, depois de bilhões de anos, o vírus tivesse encontrado mais uma forma de permanecer vivo. Ele não quer guerra, apenas sobreviver, por isso se aloja silenciosamente no corpo, de modo a garantir sua espécie viral. É o que acontece no caso dos pacientes assintomáticos de covid-19, que convivem com o vírus, sem apresentar sintomas, mas como vetores de contaminação. Ao menos 30% dos infectados são assintomáticos, segundo estudos. No silêncio, o novo vírus encontrou um aliado.
A afirmação da infectologista e chefe de departamento de doenças emergentes da Organização Mundial da Saúde (OMS), Maria Van Kerkhove, na segunda-feira (8), de que a transmissão do coronavírus é "muito rara" rendeu discussões e figurou entre os assuntos mais comentados da última semana. As medidas de restrição logo foram questionadas pelos defensores do afrouxamento do isolamento, que têm pressionado para reabertura do comércio e de outras atividades não-essenciais mesmo com as milhares de mortes diárias.
O presidente Jair Bolsonaro, naquele mesmo dia, disse que a indicação sinalizava uma "abertura mais rápida do comércio e a extinção de médicas mais rígidas". Na verdade, Van Kerkhove apenas citou uma possibilidade, já que faltam estudos conclusivos, e se referiu ao caso de pacientes completamente assintomáticos. Ela foi a público, no dia seguinte, para esclarecer a informação. A transmissão por casos assintomáticos acontece, "a questão é saber quanto", falou, na ocasião.
A discussão sobre os assintomáticos, já polêmica nos estudos sobre o coronavírus devido à falta de conclusões, ganhou ainda mais força e vieram à tona pesquisas publicadas sobre o assunto. Quem são os assintomáticos, quais as características e como, reunidos como uma legião invisível, contribuem para a proliferação da covid-19? É o que a ciência tenta responder com dados e provas.
Agindo no silêncio
O coronavírus, esse organismo que nos afeta, debilita e chega a matar, não tem intenção, muito menos racionalidade. É democrático por essência biológica. O que acontece ao encontrar um corpo - humano ou não - desencadeia um processo que pode ser semelhante a uma guerra sangrenta ou a uma convivência pacífica. Depende das relações estabelecidas a partir do encontro entre célula e vírus. Antes de sofrer a mutação que originou a covid-19, o coronavírus mantinha uma relação amistosa com morcegos, por exemplo. No corpo humano, as reações variaram.
Hoje, estudos dividem a porção dos contaminados pelo coronavírus em quatro tipos: 30% assintomáticos, 55% leves, 10% graves e 5% críticos. Ou seja, de 30% a 85% das pessoas podem ter sintomatologia - como uma tosse ou leve dor de cabeça - sem sequer perceber do que se trata nem desconfiar de contaminação pelo coronavírus, como afirma a própria OMS.
Significa que, no período de incubação do vírus - de dois a 14 dias - até a apresentação ou não de sintomas o vírus já é expelido. São os chamados pré-sintomáticos tanto os pacientes com o vírus incubado como aqueles que, inicialmente, não apresentam sintomatologia, mas terão. A conclusão é que, em qualquer um dos casos, o vírus se replica.
“Independemente de ser assintomático, o vírus está se replicando, é a única coisa que importa para o vírus”, explica o virologista, imunologista e pesquisador da Fiocruz, Ricardo Khouri.
Um quarteto de pesquisadores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, descobriu na habilidade de ser hospedeiro, sem manifestar os sintomas associados, uma possível estratégia evolutiva da sars-cov-2. Sem alarde, o vírus consegue se manter vivo e cada vez mais forte.
Fonte: Correio da Bahia