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Vacina contra covid-19 pode estar disponível 4 meses após fim dos estudos clínicos, diz diretor de instituto da Fiocruz


Após o resultado dos estudos clínicos finais, a vacina para a covid-19 pode estar disponível para população brasileira em até 4 meses, de acordo com estimativa feita pelo diretor do Instituto Bio-Manguinhos, Maurício Zuma. O Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos é uma unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde e responsável por monitorar as iniciativas de vacina contra o novo coronavírus.

Em entrevista ao HuffPost Brasil por videochamada, Zuma afirmou que, com algumas adaptações, como implementação de novos turnos de trabalho, o instituto poderá produzir até 40 milhões de doses por mês. É possível que o Brasil adote mais de um produto, direcionado para grupos específicos, como idosos, por exemplo. Segundo Zuma, a eficácia mínima da vacina deve ser de 70%.

Além da escolha da vacina - e negociações para ter acesso à tecnologia -, o esquema de imunização também será definido pelo Ministério da Saúde, por meio do Programa Nacional de Imunizações.

Pela legislação brasileira, para uma nova tecnologia ser incorporada ao SUS (Sistema Único de Saúde), é necessário ter registro aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e aval da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). Mesmo se a tecnologia for estrangeira, o registro pode ser intermediado pela Bio-Manguinhos.

De acordo com Zuma, a capacidade nacional para produção da vacina depende do tipo de tecnologia adotada. “Se for uma tecnologia que já tem instalações [no Brasil], fica mais fácil. A vacina de Oxford, por exemplo, a gente não tem detalhes ainda aprofundados, mas a gente tem plataformas semelhantes aqui que facilitariam a implantação da produção num tempo menor”, afirmou.

Nesta terça-feira (23), o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, afirmou que o governo deve assinar um acordo ainda nesta semana para produzir no Brasil a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela biofarmacêutica AstraZeneca.

Os testes clínicos com 5 mil voluntários brasileiros foram iniciados nesta semana. Isso não garante que o produto estará disponível para brasileiros; é necessário que seja considerado seguro e eficaz, o que pode ocorrer só em 2021.

“Estamos fechando com a Casa Civil a assinatura e o compromisso de participação do Brasil. Estamos em ligações paralelas com a universidade e a AstraZeneca bem adiantadas, envolvendo a Fiocruz e a Bio-Manguinhos. A Casa Civil está analisando a assinatura para os próximos momentos, hoje ou amanhã, ainda nesta semana”, afirmou o ministro interino, em audiência pública em comissão do Congresso com deputados e senadores.

De acordo com Pazuello, além da vacina de Oxford, o ministério decidiu trabalhar com uma iniciativa americana e outra chinesa. Ele não informou mais detalhes. Em 11 de junho, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou que o Instituto Butantan seria parceiro da farmacêutica chinesa Sinovac Biotec  para a produção de uma vacina contra o coronavírus.

HuffPost O Instituto Bio-Manguinhos foi escolhido pelo Ministério da Saúde para avaliar as tecnologias e estabelecer parcerias com os desenvolvedores de vacinas para eventual adoção no SUS. Como é o processo de decisão de qual vacina será adotada?

Maurício Zuma: É um processo conjunto com o Ministério da Saúde. A decisão não é só nossa. É mais do ministério mesmo. O que a gente está fazendo é discutir tecnicamente com as empresas para ver nossa capacidade de produção, dependendo de cada tecnologia, quais os gaps que nós temos, o que seria necessário de adaptação, se a gente conseguiria produzir o processo todo ou parte. Isso tudo depende de cada uma das tecnologias. Essa informação a gente passa para o ministério. Essas informações são parte da matriz de discussão que estamos trabalhando com o ministério. Tem outras variáveis avaliadas também pelo próprio Programa Nacional de Imunizações (PNI), o esquema de vacinação, questões de logística no campo. Tudo isso está sendo avaliado para que a gente tome uma decisão conjunta de qual a melhor vacina neste momento para gente fazer uma parceria e poder produzir em Bio-Manguinhos.

No Ministério da Saúde, são as secretarias de Vigilância e de Ciência e Tecnologia que tomam essas decisões, certo? Vocês já se reuniram com os novos secretários, Arnaldo Correia e Hélio Angotti Neto?

Exatamente. As duas secretarias estão participando dessas discussões. A gente tem tido reuniões bastante frequentes. Já me reuni. Na sexta-feira (19), tive uma reunião em que participaram os dois novos secretários. 

A OMS (Organização Mundial da Saúde) entende que, para ser adotada, uma vacina contra covid-19 precisa ter ao menos 50% de eficácia. Esse também é o critério do Brasil?

Esse é um dos pontos que têm de ser decididos pelo ministério, mas acho que hoje uma vacina que não tenha pelo menos 70%, 80% de eficácia não tem condições. Certamente as vacinas que estão sendo estudadas apresentam eficácia pelo menos inicial superior a isso. Não acredito que se introduza uma vacina [com eficácia menor]. A não ser em casos especiais. 

Primeiro, se não tivesse nenhuma outra que tivesse eficácia. Segundo, pode ser que alguns grupos especiais que não possam tomar vacina com eficácia maior, mas que possa vir a comprometer seu sistema imunológico por alguma comorbidade, pode ser que recebam algum tipo de vacina diferente que não seja tão eficaz, mas que não comprometa sua saúde. Mas isso seria para grupos muito pequenos. Para vacinar a população, tem de ter uma eficácia de no mínimo 70%, 80%.

Vocês estão conversando com laboratórios de diversos países?

[Com] Alguns a gente fez contato. Outros fizeram contato com a gente ou pelo ministério ou com outro interlocutor e descobriram que a gente é o laboratório público vinculado ao Ministério da Saúde, então nós temos alguns acordos de confidencialidade assinados para poder avançar numa discussão técnica mais aprofundada. Trocar informações de maneira mais aprofundada. Fizemos esses acordos com algumas empresas. Estamos avançando com outras e com isso possibilitando a gente conhecer detalhes de cada vacina.

Se for uma vacina de outro país, primeiro a Anvisa libera o registro e depois há uma negociação comercial sobre os direitos de propriedade intelectual?

Há de se convir que estamos vivendo um momento especial, que a Anvisa está aceitando acelerar alguns processos e fazer às vezes de uma maneira não tão convencional. Mas em uma situação normal há duas formas de se fazer. A empresa detentora da tecnologia lá fora pode submeter à Anvisa um registro do produto aqui dentro com produção toda lá fora, como se ela fosse trazer o produto todo importado. Para isso, ela tem de ter um registro aqui. Ou ela pode incluir algum local de fabricação nacional. É uma possibilidade também. Ter uma vacina com registro de fora e com o Bio-Manguinhos como local de fabricação. Isso tudo documentado, definido como vai ser a responsabilidade de cada um. 

E tem ainda uma outra possibilidade, que é a gente fazer o acordo direto com a empresa primeiro e depois submeter o registro [na Anvisa] através de Bio-Manguinhos. Nós submetemos o registro informando onde vai ser feita cada fase da produção. Se toda aqui, uma parte aqui e outra lá fora, mas aí a titularidade do registro seria nossa. São várias formas de fazer. Isso pode ser modificado à medida que a gente avance na parceria. A gente pode ter um registro lá de fora e depois trocar e passar o registro. 

E a patente?

Sobre a patente, geralmente o que se faz é um contrato de licenciamento para que a gente possa comercializar ou explorar no nosso mercado público, no Ministério da Saúde. A gente paga royalties ou tem outras possibilidades de trabalhar com patente estrangeira. 

A atuação do Brasil na OMS pode impactar nesse tipo de acordo de patente?

Esse processo das vacinas, o ACT Accelerator [da OMS] está um pouco atrasado em relação ao movimento das empresas propriamente dito. Existe esse movimento via OMS em que algumas empresas estão se comprometendo a se colocar com fins mais humanitários por conta da pandemia, ou seja, não cobrar custos de tecnologia e sim custos de produção. Esse processo está sendo atropelado porque como algumas empresas estão mais adiantadas, ela estão querendo fazer acordos por fora desse processo via OMS. Mas mesmo assim o que tem sido colocado até agora é dentro dessa lógica desse acordo internacional, mesmo se o ministério fizer qualquer acordo antecipado com alguma empresa, estou entendendo que vai ser dentro desse pacto internacional. 

Por outro lado queria te dizer que o ministério está se movimentando para participar do ACT. Acho que aquela posição que o Brasil teve lá atrás com relação à OMS nesse campo da vacina não vai se reproduzir. O que tenho acompanhado dentro do ministério é o ministério se articulando para fazer parte do ACT, inclusive a diplomacia brasileira em Genebra está se movimentando nesse sentido.

Mas declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a OMS não atrapalham?

Eu não sou a pessoa mais indicada para fazer essa avaliação. A diplomacia às vezes funciona de uma forma separada. O que eu vi e participei foi de discussões com o Ministério da Saúde e a diplomacia em Genebra, que estão atuando para que o Brasil faça parte de alguma forma do ACT. O grau de aprofundamento disso e das negociações eu não tenho detalhes. Mas sei que as conversações estão acontecendo pelo grupo de Genebra.

São diferentes frentes: as negociações que vocês têm conduzido com algumas empresas e em paralelo essa da OMS?

Sim.

O teste clínico da vacina de Oxford ser feito com brasileiros pode facilitar nosso acesso à vacina? Vocês também fazem parte desse processo de negociação ou está acontecendo de forma paralela?

Tem várias empresas buscando estudo clínico no Brasil. Obviamente se o estudo tiver acelerado, você tem indicativos de que a vacina vai funcionar, isso é super importante para diminuir o risco, a ansiedade, para poder facilitar algum tipo de negociação. O estudo clínico fase 3 da vacina de Oxford será o primeiro a ser iniciado no Brasil e deve começar nesta semana. A informação que eu tinha era de que o primeiro paciente seria incluído nesta semana. Seria um estudo acertado de 2 mil pessoas inicialmente ampliando para 5 mil e no Reino Unido já estaria em andamento com 5 mil e nos Estados Unidos com 30 mil. O estudo avançando facilita muito. 

É importante fazer o estudo clínico aqui no Brasil porque você têm de garantir que a vacina funcione no Brasil. Por conta de determinadas características na composição da vacina, ela pode funcionar num país e não funcionar em outro. Por conta de prevalência de vírus circulantes, coisas assim. Circula mais num país e não circula em outro, então a plataforma, o desenho da vacina, pode funcionar melhor num lugar e não em outro. É importante ter o estudo clínico realizado aqui.

É importante fazer o estudo clínico aqui no Brasil porque você tem de garantir que a vacina funcione no Brasil.

A vacina desse estudo clínico pode ser a escolhida para ser adotada?

Sim. Na verdade, a gente tem um grupo de estudo clínico em Bio-Manguinhos que estaria capacitado a participar também desse estudo clínico, mas até o momento a gente não está envolvido. Mas a gente obviamente está acompanhando. Estamos recebendo dentro daquelas informações confidenciais, informações sobre os estudos anteriores. A gente está avaliando, mas são informações confidenciais que a gente não pode divulgar.

Não dá para dizer qual vacina seria mais promissora no momento?

Não só não dá para apontar, como se a gente soubesse, não poderia dar essa informação.

Sobre a capacidade de produção, quando houver um acordo, toda produção do SUS seria feita pelo Bio-Manguinhos? Teria de ampliar a capacidade? Como isso seria feito?

Depende da tecnologia. Pensando em duas fases de produção, uma primeira fase sendo a produção do ingrediente farmacêutico ativo, que é o  princípio ativo da vacina, e uma segunda fase que é o processamento final, é você pegar esse princípio ativo e colocar nos frasquinhos, o que a gente chama de formular, envasar, depois fazer a rotulagem e embalagem do produto. A segunda grande fase, o processamento final, a gente já está preparado para algumas vacinas. Para as vacinas que a gente já teve algum tipo de informação. A gente está muito preparado e pode chegar, com algumas adaptações, com implementação de novos turnos de trabalho, de produzir até 40 milhões de doses por mês. 

Já a parte de produção do ingrediente farmacêutico ativo, se for uma tecnologia que já tem instalações, fica mais fácil. A vacina de Oxford, por exemplo, a gente não tem detalhes ainda aprofundados, mas a gente tem plataformas semelhantes aqui que facilitariam a implantação da produção num tempo menor. Outras plataformas mais novas, do tipo de ácido nucleico, por exemplo, vacina de DNA, RNA, essas plataformas, a gente não têm aqui. Então para essas plataformas hoje, só recebendo o ingrediente farmacêutico ativo pronto para fazer o processamento final. 

De qualquer forma, seja qual for a plataforma,  pode ser que para iniciar a produção de forma mais rápida, a estratégia seja receber o ingrediente farmacêutico ativo num primeiro momento e fazer o processamento final e num segundo momento tentar incorporar também a fase de produção do ingrediente farmacêutico ativo.

A dificuldade dos laboratórios com testes é um dos principais problemas no enfrentamento à pandemia no Brasil porque resulta em  subnotificação de casos e mortes. Não há uma preocupação de que a gente não consiga produzir as vacinas?

Para receber o ingrediente farmacêutico ativo, a gente estava bastante preparado. Para introduzir a produção do  ingrediente farmacêutico ativo, é um processo mais complexo. Levaria mais tempo, mas existe essa possibilidade de a gente receber o ingrediente e fazer o processamento final aqui, que também é um gargalo internacional. A gente teria uma boa capacidade para o processamento final.

Quanto aos testes, o teste molecular que a gente desenvolve aqui e a gente implantou com uma cadeia de produção, a gente conseguiu escalar a produção e chegar a 250 mil testes por semana. Um milhão de testes por mês a ponto da produção de testes no Brasil. não ser mais um problema. O gargalo hoje não é mais na produção de testes.

Mas há uma dificuldade de processamento…

Até o processamento a gente está dando apoio, com uma capacidade grande, em torno de quase 15 mil testes dia. Receber a amostra e processar o resultado nos equipamentos. O grande gargalo hoje é justamente coletar o material e enviar para o processamento. Esse é o grande gargalo no país. É coleta do material. 

Essa vacina do Instituto Butantan é paralela ao trabalho de vocês?

É paralela. A  gente chegou a conversar com essa empresa chinesa antes. Mas ela avançou com o Butantan. Não sei se o Butantan está conversando com o ministério. Eu acredito que não porque ninguém do ministério me falou sobre isso. É importante e que o  PNI esteja a par disso. Se a gente vai ter duas vacinas no País, ela precisam ser analisada pelo PNI quanto a essas questão de administração, se é uma dose ou duas doses, a questão de logística, qual o público alvo para essa vacina, público alvo inicial e secundário ou em segmento, todas essas questões precisam ser avaliadas, a quantidade a ser produzida porque tem de ver a necessidade e a capacidade de produção dos dois. E também se o Brasil vai cooperar com Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Existe uma expectativa de que a gente além de suprir o Brasil, possa suprir países da América Latina, via Opas. Isso precisa estar muito bem articulado porque os dois laboratórios têm boa capacidade de produção e podem dar essa contribuição não só para imunização no Brasil mas também para os países vizinhos.

Há um grande tensionamento político entre o governador de São Paulo e o presidente Jair Bolsonaro. Isso pode atrapalhar de alguma maneira o Brasil ter uma política nacional de como adotar a vacina? A instabilidade no Ministério da Saúde também atrapalha?

Não tenho dúvidas que essas questões políticas misturadas com questões tecnológicas sempre podem atrapalhar. O ideal é que a gente tivesse trabalhado todo mundo articulado sem viés político para que a gente possa estabelecer uma produção conjunta, mesmo que de produtos diferentes, para atender o País. Sempre existe possibilidade das questões políticas atrapalharem. Como eu não quero entrar nessa questão política, eu acredito que o Butantan esteja se preparando porque sempre foi assim, a gente sempre trabalhou articulado com o PNI. Todas as vacinas foram discutidas com o PNI antes de a gente iniciar a produção. Acredito que o Butantan deva estar se preparando para fazer isso porque sabem que é importante isso estar articulado com o ministério para o bem da população, da saúde pública, o combate a essa pandemia. Acredito que isso vá ser discutido conjuntamente no ministério para que a gente possa atacar esse problema de maneira técnica melhor possível.

A proposta das empresas de maneiras geral tem sido de produzir adiantado, antes do resultado. A gente só pode colocar a vacina para na população depois do registro concedido pela Anvisa. Esse registro só pode ser submetido depois que todos estudos estiverem concluídos e a gente tiver alguns lotes produzidos porque existem testes de estabilidade. Normalmente é exigido que você produza os chamados lotes de consistência, lotes de estabilidade, com um ano de antecedência. Nesse processo não vai ser assim certamente. Após o resultado dos estudos clínicos finais, acredito que em torno de 3 ou 4 meses a gente consiga colocar a vacina para população.

De modo geral ou para grupos de risco primeiramente?

Esse esquema de vacinação quem vai definir é o ministério. Nós vamo produzir e entregar a vacina para o ministério, e eles vão decidir todo o esquema de vacinação.

Marcella Fernandes/Repórter de Política e Mulheres do HuffPost Brasi

 

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