Proposta do publicitário Dani Bittar, de 34 anos, é realizada mensalmente em São Paulo, com duração de três dias. Alunos aprendem a 'entender o sagrado feminino' e a 'experimentar potencial orgástico'. Curso de Daniel Bittar
Arquivo pessoal
Uma casa de 600 m², localizada em um dos bairros mais boêmios e chiques de São Paulo, virou um centro de encontro para homens — principalmente gays — que buscam estudar e entender as vulnerabilidades masculinas, além de desenvolver o autocuidado.
É o que está no programa de um curso chamado Body&Heart (corpo e coração, em inglês).
Criado pelo publicitário Dani Bittar, de 34 anos, o curso dura três dias. O valor inicial é de R$ 2,5 mil por aluno, mas pode aumentar (se o estudante se hospedar na casa durante o curso), ou diminuir (há descontos para negros, indígenas, pessoas não-binárias, trans e menores de 25 anos).
???? Um dos valores mais altos é de R$ 22 mil, caso o aluno decida se hospedar em Ilhabela, outro local onde o professor também oferece um curso sobre vulnerabilidade – mas com duração de cinco dias. A diferença entre os retiros é, além do tempo, a intensidade dos exercícios.
"Conecte-se com sua vulnerabilidade. Experimente todo o potencial orgástico por meio de práticas sensoriais e afetivas. Liberte o seu poder! Solte suas emoções reprimidas para sentir mais amor na sua vida", diz o descritivo do curso de São Paulo no site.
?? Busca pelo autocuidado
O g1 assistiu a uma parte do curso realizado em São Paulo entre os dias 13 e 15 de dezembro. Cinco alunos participaram. O publicitário conta com a ajuda do terapeuta Antonio Vinícius para ministrar o encontro.
Segundo o site do retiro, durante os três dias são abordados alguns pontos, como:
Acesso a sentimentos via conexões interpessoais;
ritual de autoaceitação da nudez e acolhimento da vulnerabilidade;
aprendizado sobre meditação.
? Nenhuma das atividades, apesar de fazerem parte da carga horária do curso, são obrigatórias.
Foto do retiro de Daniel Bittar
Arquivo pessoal
No endereço – uma rua residencial e sem saída, com baixa iluminação e poucas placas – nada indica que naquele local poderia ter um espaço que oferece cursos para homens.
O guarda da rua, que não quis se identificar, comentou que não sabia o que acontecia na casa. "Uma ou duas vezes por mês, essa rua fica cheia de carros e quase todos os homens entram naquela casa (aponta para onde acontece o curso). Mas eu não sei o que acontece lá e nem quero saber", diz. A residência, do lado de fora, é quase toda cinza e tem muro alto.
Porta adentro, o local é cheio de figuras simbólicas e místicas. Há, por exemplo, a cabeça de um deus egípcio pendurada na parede, pedras coloridas e um quadro de uma deusa indiana. Os alunos, que chegaram aos poucos, foram recebidos por Bittar, que estava vestido com um quimono branco e um colar.
Eles então foram até o jardim com o ajudante Vinicius, que realizou uma "defumação" neles (ritual em que os participantes são envoltos em fumaça produzida por palo santo, ervas aromáticas e algumas resinas). Os participantes do retiro foram convidados a tirarem a roupa caso quisessem. No curso que o g1 acompanhou, quase todos ficaram nus.
Retiro de Daniel Bittar. Na foto da direita está Antonio Vinícius de pé, enquanto joga um líquido em um participante. Na imagem da esquerda está outro participante.
Arquivo pessoal/Divulgação
Em seguida, entraram em uma sala, passaram uma mistura de essências nos pulsos e as cheiraram por alguns segundos.
"Agora, vamos falar um pouco sobre o sentir", disse Bittar, aos alunos. "O sentir está completamente alinhado com o nosso trabalho, que é, por exemplo, de entender o sagrado feminino [...] Aqui, nós iremos entender também as nossas vulnerabilidades."
Após longos diálogos sobre o que significa 'sentir', começaram um exercício baseado em dominação e submissão.
???? Os integrantes formaram duplas e ficaram frente a frente. Após o professor iniciar uma música instrumental, o aluno que estava na posição de dominador poderia pedir para o parceiro se aproximar, parar ou se afastar; depois, inverteram as posições; e, por fim, terminaram com um abraço - o exercício durou alguns minutos.
Após esse processo, alguns participantes choraram, pois, segundo eles, o exercício remetia a situações sensíveis que viveram, como relacionamentos amorosos conturbados.
"Essa sensação de choro é normal", declarou o professor. "Todo mundo pode sentir emoções aqui. O curso é para isso. Porém, vocês só podem entrar em uma catarse [emocional] se estiverem seguros."
Em seguida, fizeram outro exercício que, segundo o publicitário, pretende relaxar os participantes e ajudar a meditar.
??????? Todos ficaram em pé e colocaram as mãos em diferentes lugares do corpo. A cada região – que começou no períneo e terminou no topo da cabeça – os participantes soltavam diversas vezes o ar. O parceiro de Bittar indicou que eles tirassem a roupa, pois poderiam passar calor. Todos ficaram de cueca.
Durante o exercício, Bittar disse: "caso você [aluno] se sinta excitado, inspire a energia das genitais para o coração e exale por todos os poros da pele".
O curso durou até domingo à noite. Um dos alunos, que mora no Rio Grande do Sul e estava hospedado na casa, foi indicado por Bittar que pegasse um vôo de volta somente na segunda-feira de manhã.
Relato de participante
Yohan Nicolas, participou do curso de Bittar
Arquivo pessoal
O cabeleireiro Yohan Nicolas, de 40 anos, não estava no curso que o g1 assistiu, mas já participou dois retiros do publicitário. Ele contou que decidiu fazer porque queria ajuda com algumas questões de autoestima, ciúmes e inseguranças.
"O primeiro curso foi horrível", brincou. "As aulas em si eram incríveis, mas o horrível foi me deparar com as minhas feridas e com o que eu já tinha sofrido. Mas eu saí de lá outra pessoa, mais leve, aliviado de algumas dores e com vontade de mais".
Outro participante, que não quis se identificar e fez o curso de Bittar no ano passado, contou que o retiro chamou a atenção ao ver o anúncio: "Viva o afeto. Conecte-se com a sua vulnerabilidade".
"Eu senti que precisava disso. Eu tinha muito problema em aceitar o meu corpo e a minha sexualidade. De dar e receber afeto. Desde criança, meu pai me batia e dizia que afeto era coisa de viado. Isso me motivou a ir para o retiro. O curso foi uma mudança de vida e mentalidade. Antes, eu vivia com pensamentos negativos, colocados muitas vezes pelo meu pai", afirmou.
???? Estudo da espiritualidade
O publicitário, que vive da realização desses cursos, contou ao g1 que começou a trabalhar com as aulas depois que largou sua empresa de publicidade e propaganda. Em meados de 2021, havia fechado um contrato com uma empresa para a produção de conteúdo. Porém, por conta da pandemia, o acordo foi suspenso.
"Minha psicóloga me indicou trabalhar com esses retiros. Eu fui super resistente. Eu fazia por hobby, para cuidar das pessoas que eu gosto. [De todo modo], minha família já me falava que eu deveria trabalhar com isso [...] Então pensei: 'ok, vamos tentar fazer um workshop de algo que eu sei fazer muito bem'", afirmou o publicitário.
Foto do retiro de Daniel Bittar
Reprodução/Instagram
Bittar aprendeu tarot e astrologia quando tinha cerca de 15 anos, na escola Waldorf, em Botucatu (SP), e nunca mais parou de estudar sobre o assunto e temas semelhantes.
Tanto que, entre 2019 e 2020, realizou uma viagem para estudar a espiritualidade, em Ko Pha Ngan, na Tailândia.
"Lá, percebi que nenhum curso aceitava homens gays. Então, percebi que poderia oferecer aulas para esse público". E, ao voltar para o Brasil, em meados de 2021, começou a realizar workshops – até tornar o seu ganha-pão.
Além dos cursos, Bittar oferece ainda sessões individuais de massagem Neo Tântrica, com duração de aproximadamente 3,5 horas e um custo de R$ 900. "Esse tipo de terapia envolve massagem corporal e genital", diz o site de Bittar.
Expectativas
Para esse ano, Bittar espera continuar com o trabalho feito para os homens, mas mais focado em autoamor, autoaceitação e autoestima. Ele pretende também lançar um novo retiro chamado "A Rosa Chama", que focará mais na sexualidade e prazer dos alunos.
Ele avalia em um futuro lançar um curso para as todas as pessoas e somente para mulheres. Porém, quanto ao voltado apenas para o público feminino, está estudando como deverá ser feito, já que, não sabe se elas vão se sentir à vontade com ele ou se preferem uma mulher ministrando o curso.
Fonte: g1