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ECONOMIA

Dos R$ 6,15 aos R$ 5,75: como o dólar enfileirou quedas em 2025

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Especialistas ouvidos pelo g1 dizem que quatro principais fatores ajudam a explicar o movimento. Entre eles, a postura tarifária menos agressiva de Donald Trump e o cenário de juros elevados no Brasil. Notas de real e dólar

Amanda Perobelli/ Reuters

A disparada do dólar no final de 2024 deu lugar a uma série de quedas neste início de ano. A moeda norte-americana encerrou o primeiro dia útil de 2025 a R$ 6,16, mas chegou a R$ 5,77 no fechamento desta terça-feira (4). O recuo é de 6,76% no período, com os últimos 12 dias seguidos de baixa.

Eventos da economia nacional e global estão por trás das movimentações da moeda. Mas o atual centro das atenções está nos Estados Unidos, com o retorno de Donald Trump à Casa Branca.

Trump foi eleito com promessas de impor tarifas de até 60% sobre produtos importados da China, além de taxas de 25% sobre México e Canadá. Todos são importantes parceiros comerciais dos norte-americanos.

Até agora, no entanto, o tom do republicano tem sido menos agressivo, e as medidas não se concretizaram — ao menos não nas proporções esperadas. Isso fortaleceu moedas de países emergentes, como o real. (entenda mais abaixo)

Um levantamento de Einar Rivero, da Elos Ayta Consultoria, mostra que a moeda brasileira foi a segunda que mais se valorizou em relação ao dólar entre 27 países em janeiro. O real só perdeu do rublo russo, que disparou 12,09% no mês.

Para especialistas ouvidos pelo g1, quatro principais fatores ajudam a explicar a melhora neste início de ano:

A postura de Trump;

A alta de juros no Brasil;

A diminuição do estresse doméstico;

A queda do risco geopolítico.

A postura de Trump

Donald Trump surpreendeu especialistas e parte do mercado financeiro ao adotar uma postura mais pragmática e menos agressiva em relação à China, sua grande adversária geopolítica.

Durante a corrida eleitoral, o republicano prometia tarifas imediatas e de até 60% sobre produtos importados chineses. Após eleito, no entanto, o tom tem sido mais ameno.

"Quando Trump grita alto e depois senta para conversar, mais um risco é retirado — ou ao menos amenizado —, que é o de ter uma economia americana mais protecionista", diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. "O risco seria de alta da inflação nos EUA, o que fortaleceria o dólar."

Apesar de as tarifas contra os produtos chineses terem sido aplicadas nesta terça-feira, elas vieram menores do que o esperado, de 10% sobre as importações do país.

Em resposta, a China anunciou tarifas de 15% para gás natural e 10% para petróleo bruto dos EUA, além de equipamentos agrícolas e alguns automóveis, com início previsto para 10 de fevereiro.

Com o México e o Canadá, Trump adotou um tom de ameaça, mas sem aplicação concreta de taxas. Na última sexta-feira (31), os EUA confirmaram a cobrança de 25% sobre produtos importados desses dois países. Mas, na segunda-feira (3), foram anunciadas suspensões por 30 dias.

A presidente do México, Claudia Sheinbaum, foi a público afirmar que havia chegado a um entendimento com Trump. Como parte do acordo, ela afirmou que o México irá reforçar a fronteira entre os países com 10 mil membros da Guarda Nacional para impedir o tráfico de drogas.

O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, anunciou um acordo semelhante. Disse que a suspensão de tarifas entre os países envolve um plano de US$ 1,3 bilhão para reforçar a fronteira com os EUA e "interromper o fluxo de fentanil" ao país.

Os recuos de Trump na questão tarifária têm se refletido de forma positiva no mercado financeiro, que esperava medidas duras de protecionismo econômico. A quebra de expectativa fez os agentes reavaliarem as apostas de investimento.

"Trump tem mordido menos do que latido", diz Gustavo Jesus, sócio da RGW Investimentos. Para ele, além disso, o Brasil é menos impactado do que os outros países em uma eventual guerra comercial.

"Temos uma economia ainda muito fechada. E a nossa pauta de exportação é mais diversificada, não depende tanto dos EUA", acrescenta.

?? Mas por que a imposição menor de tarifas está enfraquecendo o dólar? Taxas de importação e outras promessas de Trump, como sua política anti-imigração, têm potencial de gerar mais inflação nos EUA.

São motivos que fazem o Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, ter mais dificuldade de controlar os preços, e aumentando as chances de que tenham que manter os juros elevados no país.

Juros mais altos por lá fazem os títulos públicos norte-americanos renderem mais. Investidores se animam, levam recursos para os EUA e o dólar se valoriza frente a outras moedas. Esse conjunto de eventos altera o fluxo de investimentos no mundo todo.

Quando o movimento não se confirma, o cenário é de alívio para as moedas emergentes, incluindo o real.

"A tendência é de um dólar mais fraco, porque a economia norte-americana tende a não ser tão inflacionária quanto seria com tarifas a produtos importados", diz Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos.

Alta de juros no Brasil

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) confirmou, em 30 de janeiro, a elevação da taxa básica de juros brasileira em 1 ponto percentual (p.p.), para 13,25% ao ano.

A elevação da Selic já era esperada por grande parte do mercado financeiro, após uma indicação do próprio BC, feita em dezembro. Como a inflação está voltando a acelerar no país, o Copom também prevê uma nova alta na taxa na próxima reunião.

Quando os juros sobem, os títulos de renda fixa brasileiros melhoram sua rentabilidade e ficam mais atrativos a investidores estrangeiros. Essa entrada de dólares tende a fortalecer o real.

Helena Veronese destaca o tom mais duro na ata do Copom, divulgada nesta terça-feira, em que o BC afirma que as expectativas de inflação aumentaram de forma significativa nos últimos meses, tanto a curto quanto a longo prazo.

O BC também observou uma elevação significativa no preço médio dos alimentos, devido à estiagem e à elevação de preços de carnes. Segundo o BC, eles tendem a se propagar para os próximos meses.

"O cenário de inflação deteriorada se traduz em um Copom que vai manter juros mais altos e, eventualmente, aplicar novas elevações. A curva de juros, por exemplo, passou a precificar uma Selic ainda maior neste ano", diz.

Enquanto os EUA estiverem reduzindo suas taxas de juros, o dinheiro tem mais chance de caminhar para os investimentos mais arriscados, incluindo os países emergentes, acrescenta Veronese. "Quanto maior o diferencial de juros, mais ficamos atraentes para os investidores internacionais."

Miriam Leitão: Trump recua preocupado com a inflação nos EUA

Diminuição do estresse doméstico

Gustavo Jesus, sócio da RGW Investimentos, lembra que o real sofreu uma forte deterioração no fim do ano passado por conta da frustração do mercado com o pacote de corte de gastos apresentado pelo governo federal.

A proposta, apresentada no fim de novembro pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou a expectativa de uma contenção de gastos estimada em R$ 70 bilhões para os próximos dois anos — e de R$ 375 bilhões até 2030.

Mas houve muitas críticas à efetividade das medidas e ao anúncio de renúncia de receitas para isentar os trabalhadores com salário de até R$ 5 mil do Imposto de Renda (IR), uma promessa de campanha do presidente Lula.

O mercado financeiro esperava que o governo mexesse em gastos estruturais nesse pacote de corte de gastos, como a Previdência, benefícios reajustados pelo salário mínimo e os pisos de investimento em saúde e educação. Mas isso não aconteceu.

Esse estresse interno e o receio com as novas políticas de Donald Trump nos EUA colaboraram para um salto da moeda americana, que foi de 7,40% entre 6 de novembro e 17 de dezembro.

Para Gustavo Jesus, a queda atual do dólar tem relação com a reação exagerada do mercado no fim do ano passado.

"O real sofreu demais. Houve um movimento em que se perdeu a referência, porque o mercado estava muito estressado em meio à decepção com o pacote fiscal. Os juros também estavam sem referência, e havia dúvidas no cenário externo quanto a Trump", diz.

"Foi uma tempestade perfeita, que fez os ativos brasileiros sofrerem demais. Então, o momento agora é um pouco de ajuste disso", diz.

Como desde então a política nacional não teve muitas novidades, o destaque recente foi a divulgação dos resultados das contas públicas, que vieram "ruins como esperado", diz Jesus. As contas do governo registram déficit de R$ 43 bilhões em 2024, mas a meta fiscal foi cumprida.

Gustavo Jesus também destaca que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se mostrou um pouco mais ponderado em discurso nesta semana sobre compromisso fiscal.

"Pareceu um Lula menos raivoso e mais um Lula que vai causar menos atrito com o mercado. Não dá para esperar uma grande melhora, mas também não parece que a situação vai ficar piorando para sempre", diz. "Isso também leva a uma correção de preços."

A queda do risco geopolítico

O acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas na guerra em Gaza, que entrou em vigor em 19 de janeiro, também entrou no radar do mercado financeiro.

Trata-se da segunda trégua assinada entre as duas partes desde o início da guerra — que começou em outubro de 2023, abriu novos conflitos no Oriente Médio e fortaleceu as tensões na região. Ao todo, mais de 46 mil pessoas morreram na Faixa de Gaza, e 1,2 mil em Israel.

"O risco externo foi amenizado. Houve, por exemplo, troca de reféns entre Israel e Hamas. Então, diminuiu a tensão no Oriente Médio", destaca Alex Agostini, da Austin Rating.

"Conversas entre Trump e [o líder russo] Vladimir Putin também podem indicar um cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia", acrescenta. "Essa diminuição do risco geopolítico também colabora com a queda do dólar."

Além da influência de Trump, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou, em entrevista exibida nesta terça-feira, que está disposto a manter conversas diretas com Putin para encerrar a guerra, que já dura quase três anos.

"Então, essa valorização das moedas acontece porque reduziu, em parte, o risco geopolítico e, em parte, o risco de Trump", diz Agostini.

"Mas por que o dólar não cai com mais força? Porque ainda temos um risco interno, que é uma desaceleração econômica mais forte por conta dos juros mais altos. Tudo isso motivado pela questão fiscal", conclui.

g1

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