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Percepção dos brasileiros sobre o cenário econômico do país despreza resultados positivos do PIB e desemprego. Para especialistas, popularidade de Lula depende de controlar a inflação. Por que a percepção da economia está ruim?O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) confirma que a economia brasileira cresceu em 2024. A atividade teve alta de 3,4%, o maior aumento desde 2021 – quando o crescimento foi fruto da retomada pós-impactos da pandemia de Covid-19. O desemprego, por sua vez, atingiu a menor taxa média para o ano desde que o IBGE começou a calcular esse índice, em 2012. Os dados mostram que o país nunca teve tantas pessoas trabalhando ao mesmo tempo, e que o rendimento médio real desses trabalhadores também cresceu. Mas a sensação é diferente nas ruas. Mesmo com a inflação sob certo controle, o sentimento da população é de que o salário está apertado para comprar o básico. "Está tudo muito caro, né?", comenta a aposentada Lucrécia de Andrade ao g1.Lucrécia de Andrade sobre alta de preços no BrasilArte g1Uma pesquisa do Datafolha de janeiro deste ano mostra que o otimismo do brasileiro para 2025 recuou para o menor patamar desde 2020. Menos da metade dos entrevistados acredita que a população pode ter uma situação melhor neste ano. Nos últimos dois meses, a aprovação do governo Lula (PT) caiu de 35% para 24%. Segundo o Datafolha, é o pior nível de aprovação em todos os três mandatos do presidente, e a reprovação também é recorde. Para especialistas ouvidos pelo g1, esse cenário é consequência da inflação, mais especificamente do aumento do preço dos alimentos. "Para aquelas famílias de baixa renda que comprometem a maior parte do orçamento com a compra de alimentos, isso acaba virando um problema. Significa que o carrinho de compras encolheu", explica o economista André Braz, coordenador dos Índices de Preços do FGV IBRE.Nesta reportagem, você vai entender:Os números da inflação brasileira, e como eles pesam no bolso das famílias de cada classe social;Os principais motivos para a alta dos preços de alimentos no país;Como esse cenário afeta a popularidade do presidente Lula; ePossíveis soluções para o problema, segundo especialistas.Entenda os números da inflação Em 2024, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, subiu 4,83%. Comparado a 2023, quando o indicador foi de 4,62%, há pouca diferença. Mas o segredo está nos detalhes.O segmento que puxou a alta no ano passado é um dos que faz o brasileiro mais sentir no bolso: os alimentos. "De 2020 até 2024, o preço dos alimentos subiu 55%. Nesse mesmo período, o IPCA avançou 33%. Isso mostra o quanto os alimentos subiram acima da inflação média. O problema é que os salários são corrigidos pela inflação média", explica Braz, do FGV IBRE. Depois de aumentos expressivos durante e depois da pandemia, o subgrupo Alimentação no domicílio teve apenas uma leve deflação em 2023, com queda de 0,52%. O recuo não foi suficiente para reduzir de forma significativa o preço dos alimentos in natura. Mas tudo piorou em 2024, com uma forte alta de 8,23% do subgrupo, que bateu em cheio no consumidor. Pior: o destaque ficou com as carnes, que subiram mais de 20% no ano. (entenda mais abaixo). A economista Isabela Tavares, da Tendências Consultoria, fez um estudo para entender como a inflação tem pesado no bolso da população, calculando quanto sobra no orçamento do brasileiro depois que ele paga suas contas básicas, como comida, remédios, transporte e despesas de moradia. A pesquisa levou em conta o peso que cada produto ou serviço costuma ter no orçamento das pessoas, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, cruzando com a inflação de cada um deles, mês a mês. O resultado foi que a renda disponível para as famílias após pagar pelo básico diminuiu, de 42,4% em dezembro de 2023 para 41,9% no mesmo período em 2024. (veja o gráfico abaixo)E esse número é bastante diferente dependendo da faixa de renda da família. Para a população das classes D e E, o gasto com itens essenciais comprometeu quase 80% da renda no ano passado. "Realmente, a renda do brasileiro aumentou, a gente teve ganhos reais, mas a gente está olhando uma renda média, né? E não necessariamente a renda média vai falar de todo o Brasil", pontua a especialista. "Então, a gente calculou essa renda disponível para mostrar um pouco dessa percepção. Aumentou a renda, mas calma lá. A parte que puxa para baixo esse poder de compra, que são os preços, também está aumentando."Assim, mesmo com o PIB crescendo e a gerando empregos, "está difícil ter uma boa qualidade de vida porque o preço do que é básico subiu muito", resume André Braz, do FGV IBRE. Os motivos por trás da alta de preçosO alto preço dos alimentos observado atualmente é resultado de uma série de aumentos acumulada desde 2020, na pandemia de Covid-19, explica André Braz. Segundo ele, vários fatores ajudaram a pressionar a inflação nos últimos anos, que ocorreram em momentos em que a oferta de produtos não acompanha a demanda. Veja abaixo a linha do tempo.Os fatores que pressionaram a inflação de alimentos no Brasil desde 2020Arte g1Para o economista, as questões climáticas que pressionaram a inflação não podem ser tão atribuídas à competência do governo. Mas a alta do dólar, sim."É fruto de uma incerteza na dívida pública", afirma. "Enquanto tem instabilidade no ambiente fiscal, também vai ter no câmbio. Se os investidores ficam com medo de colocar recursos no Brasil, o aumento da saída de dólar deprecia o câmbio.""E essa desvalorização nos penaliza de duas maneiras: encarece tudo o que a gente importa, e a gente importa azeite, trigo [...] E estimula muito as exportações. Quanto mais a gente exporta, menos alimentos sobram aqui no Brasil e o preço acaba subindo", detalha Braz. Problema para Lula, Biden e maisUm levantamento da Quaest divulgado no último dia 26 aponta que o terceiro governo Lula é reprovado por 50% ou mais dos eleitores nos oito estados pesquisados. Na Bahia e em Pernambuco, estados onde o presidente venceu as eleições em 2022, a desaprovação do governo superou a aprovação pela primeira vez, com queda de mais de 15 pontos das avaliações positivas. Para o cientista político Christopher Garman, diretor-executivo da consultoria Eurasia, "a queda da aprovação do presidente Lula se deve exclusivamente ao preço dos alimentos", em especial aos aumentos no segundo semestre de 2024. "Quando a gente olha quais são os segmentos do eleitorado em que a aprovação do presidente caiu mais, são os que ganham menos de dois salários mínimos, mulheres e o eleitorado Nordeste, segmentos mais sensíveis ao preço de alimentos", justifica. Rosimari Ventura sobre o preço de alimentos no BrasilArte g1Esse mesmo fenômeno também foi observado em outras eleições ao redor do mundo. Segundo o especialista, o custo de vida foi o que levou muitos candidatos a não conseguirem se reeleger, casos dos Estados Unidos, de países da Europa, da Índia e da África do Sul, por exemplo. "No caso de Joe Biden, os dados econômicos dos EUA estavam indo bem. O PIB estava indo bem, o desemprego estava baixo e a inflação estava caindo, mas o que importa é o estoque acumulado de aumentos de preços, e o estoque estava muito ruim.""Mesmo que a inflação esteja caindo, o eleitor faz o cálculo: 'A minha vida está melhor ou pior em um determinado governo?'", explica Garman. LEIA TAMBÉM:Os recados da pesquisa Quaest para Lula e para a oposiçãoDesaprovação recorde mostra que 3º mandato é museu de velhas novidades que tropeça nos próprios errosComo conter a escalada de preços?A ferramenta mais reconhecida para controlar a inflação é aumentar a taxa de juros do país. É o que tem feito o Banco Central em suas últimas reuniões, como forma de desestimular o consumo.???? Ao reduzir o consumo, a demanda por produtos diminui, o que ajuda a barrar a inflação. Apesar disso, especialistas explicam que o ideal seria conter a alta de preços aumentando a oferta, ao investir em um país mais produtivo a longo prazo. Subir a taxa de juros, portanto, é uma atitude vista como um "remédio amargo" para a inflação. Ela prejudica a tomada de crédito por parte das empresas, que podem ter dificuldades para contratar ou investir em maquinário — freando, justamente, a produtividade.Rodrigo Almeida sobre alta de preços no BrasilArte g1Assim, outra medida mais imediata importante para reduzir a inflação é "mostrar uma disciplina fiscal", pontua Christopher Garman. Em 2024, as contas do setor público apresentaram um déficit primário (despesas maiores que receitas) de R$ 47,6 bilhões. "Sempre que o governo gasta, é como se ele estivesse aquecendo a economia, o que gera a inflação. Fazendo isso, ele está jogando contra o lado monetário, o Banco Central, que está tentando conter a inflação", afirma Braz, do FGV IBRE."A eficiência política vem quando os dois andam no mesmo sentido. O governo tem que gastar menos, enquanto a política monetária sobe o juros", explica o economista. Para Braz, já ajudaria se o governo tivesse um discurso mais assertivo sobre as contas públicas, para aumentar a confiança dos investidores em colocar recursos no Brasil, reduzindo a cotação do dólar. "Quando o governo fala: 'Se depender de mim, não vou fazer esforço fiscal', ele está se comunicando como um político, com o eleitorado. Ele diz: 'Ninguém vai sofrer mais, quero continuar com o desemprego baixo, que a economia cresça', mas isso não ajuda o lado monetário e acaba prejudicando quem ele quer proteger."Segundo Garman, "é muito melhor para as chances eleitorais do presidente Lula ter a economia desaquecendo, o desemprego subindo um pouco e a inflação baixa do que continuar com estímulo fiscal para evitar aumento do desemprego"."A inflação é um 'calcanhar de Aquiles' muito maior do que um aumento modesto da taxa de desemprego, que está historicamente baixa, e um PIB menor", finaliza. Consumidores compram em supermercado de Brasília (DF)TV Globo/Reprodução