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Preços dos alimentos vão continuar em alta em 2025, prevê o economista André Braz, coordenador de Índices de Preços na Fundação Getulio Vargas. Segundo ele, o governo está correto em querer agir para mudar esse quadro, mas políticas efetivas só vão gerar frutos no médio a longo prazo. Alta do preço dos alimentos é considerado pro analistas um dos principais fatores por trás da queda recente de popularidade do governo LulaRicardo Stuckert/PRO governo Lula deve agir para conter a alta dos preços dos alimentos, mas se tomar as medidas que precisam de fato ser tomadas, não deve colher os frutos disso ainda neste mandato, já que são políticas com impacto de médio a longo prazo.Essa é a avaliação de André Braz, coordenador de Índices de Preços na Fundação Getulio Vargas (FGV) e um dos principais especialistas em inflação do país."O assunto é urgente, mas o aumento do preço dos alimentos não aconteceu de ontem para hoje", observa Braz, lembrando que a inflação de alimentos acumulada desde 2020 é de 55%, comparado a uma inflação geral de 35% neste mesmo período — uma diferença significativa."Estamos correndo o risco de ter mais um ano — 2025 — com a inflação de alimentos acima da inflação média, sendo o Brasil um dos maiores produtores de alimentos no mundo", afirma."Então, dizer que uma solução fácil vai resolver esse problema, não vai. Taxar exportações ou criar uma política diferente para o vale-refeição não vai resolver o problema da alimentação", diz o economista, citando algumas das medidas que vêm sendo debatidas nas últimas semanas, em meio à preocupação crescente do governo Lula com o preço da comida na mesa dos brasileiros.A inflação de alimentos fechou 2024 em alta de 7,69%, bem acima do avanço de 4,83% da inflação geral, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Itens essenciais como café (que ficou 39,6% mais caro no ano passado), óleo de soja (29,2%), carne (20,8%) e leite longa vida (18,8%) puxaram a alta de preços, apontada por analistas como um dos principais fatores na recente perda de popularidade de Lula.No fim de janeiro, pela primeira vez, uma pesquisa Genial/Quaest mostrou a desaprovação de Lula (49%) superando a aprovação (47%). No mesmo levantamento, 83% dos entrevistados disseram sentir que o preço dos alimentos no mercado subiu no último mês e 63% afirmaram ser contra a mudança no sistema de validade dos alimentos — medida proposta pelo setor supermercadista para baratear alimentos e já descartada pelo governo após forte repercussão negativa.Na quarta-feira (5/2), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) buscou minimizar a gravidade do quadro inflacionário, mas reforçou a preocupação do governo com a questão dos alimentos."Nós levamos a inflação muito a sério e ela está razoavelmente controlada", afirmou Lula, em entrevista a rádios de Minas Gerais."A nossa preocupação é apenas evitar que o preço dos alimentos continue prejudicando o povo brasileiro e, por isso, temos feito reuniões com os setores que, na nossa visão, estão com os preços mais altos", completou o presidente, citando como exemplo o setor de carnes.O que é possível fazer para baratear os alimentosNa semana anterior, o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Paulo Teixeira, citou entre as medidas em estudo pelo governo a redução de juros para produtores rurais, o controle de tarifas de importação e mudanças nas regras do vale-refeição e do vale-alimentação para reduzir custos."As duas primeiras [das medidas anunciadas por Teixeira] são as que têm maior efeito, o crédito mais em conta ao produtor rural e o controle de tarifas de importação", avalia Braz, da FGV."Mas é claro que isso tem que vir com um grande debate. Proteger a agricultura nacional é importante, mas proteger sem dar competitividade a ela pode ser um desastre", afirma o economista, explicando que o controle de tarifas de importação faz sentido particularmente em cadeias produtivas cuja base são produtores locais, como a cadeia do leite — que tem perdido produtores em meio à competição com o leite importado de países como Argentina e Uruguai.'Não existe fórmula mágica para baratear o preço dos alimentos', diz Braz, da FGVDivulgação/FGVJá a taxação de exportações — já negada como possibilidade pelo governo, mas ainda tema de debates na imprensa, após reportagens afirmando que ela estaria sendo defendida por "uma ala dentro do PT" — seria uma má ideia, na visão do especialista."Isso poderia ser um desestímulo, que, à frente, serviria como um freio à nossa produção agrícola, e não como um estímulo ao desenvolvimento dela", avalia Braz.Para o especialista em inflação, medidas como as mudanças nos vales alimentação e refeição são paliativas e não resolvem o problema. Para fazer a diferença de fato, é preciso investir em infraestrutura. Leva tempo para colher resultados e eles não vão beneficiar o governo que tomar a iniciativa, mas é preciso começar a fazer isso agora, já que a tendência de alta no preço dos alimentos não deve melhorar, em meio ao avanço das mudanças climáticas."Não existe uma fórmula mágica para baratear o preço dos alimentos, isso vai depender de políticas em diferentes segmentos, e mais de médio e longo prazo", diz Braz."São investimentos que não vão acontecer da noite para o dia, mas que precisam começar já, e não podem pertencer à agenda de um governo só. São projetos estratégicos para o país, então independente se eles [os governos] são de direita ou de esquerda, eles têm que ter continuidade, é uma agenda contínua."É fundamental baratear o custo do transporte, investindo em modais mais baratos, como a cabotagem e o transporte fluvial, defende economistaReprodução/DNITO primeiro investimento a ser feito, segundo Braz, é em baratear o custo de transporte da produção agrícola, incentivando modais mais baratos, como o fluvial, para reduzir a dependência do transporte rodoviário, que é o mais caro de todos."Outra questão é como a gente aproveita nossas safras, pois batemos recorde em safra, mas também batemos recordes em desperdício, e boa parte desse desperdício tem a ver com a armazenagem de grãos", diz Braz. "Então investir em silagens, em locais onde a infraestrutura permita fazer com que esse grão se mantenha útil pelo maior tempo possível, é necessário, é fundamental."Por fim, diz o economista, é preciso incentivar o pequeno produtor rural — que produz culturas fundamentais como o feijão, essencial na mesa do brasileiro — para além do acesso a crédito barato."Tem que dar assistência técnica, treinar essa pessoa, dar capacitação — como é que ele produz mais com a mesma quantidade de terra, que tipo de semente ele pode usar —, então essa é uma outra parte, além do crédito — de tecnologia. Investir em ciência é fundamental, só que essas pesquisas levam anos para serem concluídas, mas elas precisam começar já", afirma o pesquisador da FGV.Por que os preços dos alimentos não param de subirBraz lembra que o preço dos alimentos não começou a subir agora.Em 2020, os preços subiram como resultado da pandemia, com as famílias confinadas em casa e o impulso do auxílio emergencial contribuindo para o aumento da demanda e a alta de preços.Em 2021, houve uma crise hídrica que afetou a agricultura e a geração de energia. Em 2022, foi a vez da guerra entre Rússia e Ucrânia, que levou a um aumento do preço das commodities.O ano de 2023 foi uma pequena trégua, com a inflação de alimentos contida por uma safra recorde e com a ausência de efeitos climáticos fortes, o que ajudou a manter uma oferta regular de alimentos.Já 2024 foi um ano de "tempestade perfeita", diz Braz. Primeiro, houve uma desvalorização cambial aguda, que se agravou no final do ano, mas já vinha de antes.A desvalorização cambial afeta o preço dos alimentos de três maneiras:Ela torna os produtos brasileiros mais atraentes para a exportação, o que é bom para a balança comercial, mas reduz a oferta interna de produtos;Também afeta o custo de importados, como, por exemplo, o trigo, o que encarece itens muito consumidos como o pão francês, biscoitos e macarrão;Por fim, muitas commodities que o Brasil cultiva amplamente, como soja e milho, que são a base da ração animal, têm seus preços cotados em bolsas internacionais. Então quando o real se desvaloriza, o preço desses grãos sobe, afetando o custo de produção das carnes de bovinos, suínos e aves.Em 2024, também contribuiu para a alta dos alimentos o bom momento do mercado de trabalho."Atingimos uma taxa de desemprego muito baixa, de 6,2% [em dezembro de 2024], o que é louvável e algo a se comemorar", diz Braz "Mas a demanda fica mais aquecida nesse cenário: tem mais gente comprando e, pela lei da oferta e da procura, há uma pressão de preços em função disso."Também houve muitos desafios climáticos no ano passado, com o El Niño encerrando seu ciclo com as chuvas que inundaram o Rio Grande do Sul, e depois o La Niña trazendo seca na região e chuva excessiva em outras partes do país. Tudo isso afetou os ciclos agrícolas e a oferta de alimentos.Cultura do café foi prejudicada por uma seca histórica no Brasil em 2024, que contribuiu para levar os preços do produto às alturasGetty Images via BBCPor fim, Braz observa que, além de o câmbio desvalorizado ter incentivado uma exportação recorde de carne bovina em 2024, esse mercado também foi afetado pelo ciclo pecuário.Por conta da queda do preço do boi em 2023, os produtores aumentaram o abate de fêmeas. Isso gera caixa para o produtor e aumenta temporariamente a oferta de carne, mas reduz o rebanho no médio prazo, já que são as fêmeas (chamadas de matrizes) que produzem os bezerros. Essa redução de oferta de bois no pasto empurra os preços da carne para cima, que foi o que aconteceu em 2024.E a alta de preços deve se manter em 2025, já que leva tempo para recompor os rebanhos."Para 2025, boa parte dos efeitos que tivemos no ano passado [sobre a inflação] vão continuar, porque há alimentos que têm um ciclo mais longo. Então a carne deve continuar cara. O café, que depende de um ciclo bianual, deve continuar caro, porque 2025 é ano de ciclo mais fraco", diz Braz.Por outro lado, a expectativa de um ano sem grandes complicações climáticas e com safra 10% maior pode ajudar a inflação de alimentos a subir um pouco menos esse ano. Mas não há nenhuma expectativa de que os preços voltem a cair."É provável que os alimentos subam [em 2025], mas quem sabe menos do que no ano passado, algo em torno de 5% a 6%. Já seria uma alta expressiva, mas abaixo do que foi em 2024", prevê o economista.Juro alto ajuda a conter uma inflação puxada pelo preço dos alimentos?Para além das medidas de longo prazo, Braz defende que o governo pode contribuir para o controle da inflação através de um discurso mais alinhado de controle das contas públicas."Quando a política fiscal não é contracionista, ela não favorece a desaceleração da inflação, porque se o Estado está gastando mais, ele está contribuindo para manter a inflação mais alta", explica."Não é que o Estado tem que cortar seus gastos com uma foice gigante, mas ele tem que mostrar que está comprometido com isso", afirma.'Se o Estado está gastando mais, ele está contribuindo para manter a inflação mais alta', diz economista da FGVGetty Images via BBCO economista observa que os juros altos sozinhos não são capazes de conter uma inflação que é puxada pela alta nos preços dos alimentos.Ele lembra que o peso dos alimentos no IPCA é de 18%, mas que o índice mede a inflação para famílias com renda até 40 salários mínimos. Para famílias com renda até 5 salários mínimos, esse peso é maior, de até 25%. E famílias com renda até um salário mínimo gastam quase 100% de seus recursos com alimentação."Dado que a alimentação pesa muito na inflação, e a nossa política fiscal está enfraquecida, a gente está buscando estabilizar a inflação mais via política monetária, isso faz com que a gente tenha que subir juros, mas correndo atrás do rabo, como se você estivesse combatendo fogo com fogo", afirma Braz."Você não consegue reduzir o preço dos alimentos quando o problema é de oferta, como foi no ano passado, que teve problemas climáticos, aumento de exportação, não tinha alimento suficiente, tinha uma demanda aquecida — a política monetária não é capaz de conter o avanço de preços por essas razões", completa.Nesse cenário, tem sido discutida a possibilidade de o Brasil entrar num quadro que é chamado pelos economistas de "dominância fiscal", quando a política de juros de um país perde a eficácia e já não consegue conter a inflação, por conta da disparada da dívida pública.Braz vê o risco de esse quadro se concretizar como pequeno. Segundo ele, ainda dá tempo de evitar isso, com um maior alinhamento entre política fiscal e monetária.