Crescimento da economia gera emprego e estimula o consumo, mas a inflação preocupa. Para economistas, é necessário fazer ajuste fiscal e reformas para aumentar a produção. Calçadão no Centro de Ribeirão Preto, SP
Érico Andrade/g1
Projeções do Monitor do PIB, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), indicam que economia brasileira cresceu cerca de 3,5% em 2024.
O número oficial do PIB sai nesta sexta-feira (7), com a divulgação do IBGE. Se o resultado se confirmar, essa será a maior expansão da economia desde 2021, quando o aumento foi de 4,8%, após o tombo no ano anterior por causa da pandemia de Covid-19.
Em paralelo a isso, a taxa média de desemprego (6,6%) em 2024 foi a menor desde que o IBGE começou a calcular esse índice, em 2012.
O país bateu o recorde de pessoas ocupadas, com mais de 103,3 milhões na média do ano, e que juntas ganharam aproximadamente R$ 328,9 bilhões por mês na média anual, também a maior massa de rendimentos reais da série histórica.
???? É claro que uma coisa tem tudo a ver com a outra: se a economia cresce, ela gera emprego. As pessoas empregadas ganham mais dinheiro e consomem mais, o que também ajuda a elevar o PIB.
Em 2024, o consumo das famílias foi um grande responsável pela alta do indicador. A preocupação dos economistas, no entanto, é que a alta demanda continue a pressionar a inflação, se o Brasil não aumentar a produção na mesma medida.
"A gente está com um crescimento positivo no curto prazo, mas não é sustentável ao longo do tempo. Seria bom se a gente pudesse enriquecer só consumindo, mas isso tem um limite", diz Ulisses Ruiz de Gamboa, professor de economia do Insper.
"O ideal seria aumentar o PIB pelo investimento, com máquinas, fábricas, pontes, estradas
Aí, aumentando a capacidade produtiva, se as famílias quiserem consumir mais, o país vai ter como atender", pontua Hélio Zylberstajn, professor sênior da Faculdade de Economia da USP.
Nesta reportagem, você vai entender a relação do mercado de trabalho com o desempenho do PIB em 2024, os impactos de um resultado puxado pelo consumo e o que é necessário para a economia brasileira crescer de forma mais sustentável, segundo especialistas.
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Há duas formas principais de medir o PIB, que devem sempre chegar ao mesmo resultado:
Pelo lado da oferta, que soma tudo o que foi produzido no país (agropecuária, indústria e serviços);
e pela demanda, que reúne os gastos (consumo das famílias, gastos do governo, investimentos e importações/exportações).
Ao analisar a oferta, a estimativa do Monitor do PIB é de que o setor de serviços teve a maior alta, de 3,9%. A indústria também cresceu (3,4%) e a agropecuária, apesar da queda (-2,5%), "produziu quase tanto que em 2023, que foi uma supersafra", afirma Claudio Considera, coordenador do projeto no FGV Ibre.
Tudo isso contribuiu para a geração de empregos. Em 2024, o país criou 1,69 milhão de postos com carteira assinada, segundo o Caged, um aumento de 16,5% em relação a 2023, após dois anos de desaceleração.
Outras formas de trabalho também cresceram, mostra a PNAD Contínua, do IBGE. O Brasil ganhou mais empregados sem carteira assinada (+6%) e trabalhadores por conta própria (+1,9%).
Entre outros efeitos, o mercado de trabalho aquecido é um cenário que estimula o aumento de salários. Mais confiantes, os trabalhadores têm maior possibilidade de pleitear postos melhores, e muitas empresas têm tido dificuldades para contratar.
O rendimento real (descontada a inflação) das pessoas ocupadas no país cresceu 3,7% em 2024, chegando a R$ 3.225, na média anual. E, como tem mais gente trabalhando, a massa de rendimentos subiu ainda mais: 6,5%.
Essa expansão, somada aos programas do governo de transferência de renda, como o Bolsa Família, impulsionou o consumo das famílias, que, por sua vez, puxou o resultado do PIB pelo lado da demanda.
"As pessoas ficam mais em hotéis, querem jantar fora, almoçar fora, a demanda de turismo está muito grande", exemplifica Considera.
Não à toa, o mercado de franquias brasileiro superou a projeção inicial de faturamento em 2024 e cresceu 13,5%, segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF).
As franquias do segmento de entretenimento e lazer, inclusive, foram as que mais cresceram: 16,6%. O segundo lugar ficou com as lojas de saúde, beleza e bem-estar (16,5%) e, o terceiro, com alimentação (16,1%).
"Este resultado está fortemente associado à recuperação do consumo, alavancado pela baixa histórica dos níveis de desemprego, pelo aumento da massa salarial e do poder de compra das famílias", afirmou a associação.
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O problema da inflação
Mas, se por um lado, o aumento do consumo é positivo para as famílias e movimenta a economia, por outro, tem reforçado a preocupação do Banco Central com a inflação.
Quando as empresas não conseguem aumentar a oferta dos produtos e serviços na mesma velocidade da demanda, elas têm espaço para elevar os preços.
"Quando a economia gasta mais do que produz, uma parte vai para o preço (inflação) e a outra vai acelerar as importações. A gente já observa como reflexo um crescimento importante das importações, apesar do câmbio alto", destaca o professor Ulisses, do Insper.
Em 2024, a inflação oficial do país teve alta de 4,83% e ficou acima do teto da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
O grupo do IPCA que mais cresceu foi o de Alimentação e bebidas (7,9%), e pesou no bolso do consumidor. O preço da carne e do café dispararam, impactados também pelo calor histórico e a seca prolongada.
Por causa disso, o BC tem elevado a taxa básica de juros da economia, a Selic. É uma forma de desestimular o consumo para diminuir a demanda e, assim, a inflação.
"Se os juros estão mais caros, o consumidor vai reduzir compras a prazo, não vai financiar um apartamento. O custo de tomar um financiamento, pegar um empréstimo no banco, está mais caro", explica o economista Thiago Xavier, da Tendências Consultoria.
Assim, a expectativa, segundo ele, é um esfriamento do mercado de trabalho, principalmente a partir da segunda metade de 2025. "A gente já vê uma desaceleração no consumo, as transferências de renda também vão crescer menos neste ano", diz.
Para o professor Zylberstajn, da USP, a política do governo de investir no crescimento econômico por meio do consumo, com o aumento real do salário mínimo e programas de transferência de renda, não é sustentável a longo prazo.
"Por isso muitos economistas dizem que esse modelo que o governo está preferindo é um 'voo de galinha' (saltos baixos e curtos)", completa.
Para onde devemos ir, então?
Em vez de reduzir o consumo, um bom caminho para controlar a inflação é trabalhar para aumentar a produção do país, apontam os especialistas ouvidos pelo g1. A medida, no entanto, é mais complexa e não deve trazer resultados já no curto prazo.
"Temos que fazer uma reforma educacional que realmente melhore o ensino. O Brasil tem se desempenhado mal em todas as provas internacionais e todos os setores têm reclamado muito ultimamente da falta de mão de obra qualificada, agricultura, indústria e serviços", afirma Ulisses, do Insper.
Para os economistas, aumentar a taxa de juros é necessário, principalmente como uma resposta mais imediata, mas é um "remédio amargo" para a inflação.
Além de desestimular o consumo, ela prejudica a tomada de crédito por parte das empresas, que podem ter dificuldades para contratar ou investir em maquinário, freando, justamente, a produtividade.
"É igual tomar antibiótico. Tem efeitos colaterais, mas não podemos deixar a doença progredir. Não é o ideal. O ideal era ter um crescimento saudável pelo lado da produção", resume o especialista.
Outra medida imprescindível, portanto, é o ajuste fiscal. Em 2024, as contas do setor público apresentaram um déficit primário (despesas maiores que receitas) de R$ 47,6 bilhões. Com isso, a dívida do país subiu para 76,1% do PIB.
"A gente tem que fazer uma reforma mais profunda para racionalizar o gasto público e almejar uma carga tributária mais baixa para incentivar investimento produtivo, em infraestrutura, em novas tecnologias", completa o professor Ulisses.
Fonte: g1