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Leonardo Amaral

"Voto, barganha e desavenças na terra do pinga fogo": História política de Itupeva-Ba 1950-1970

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Este estudo é resultante do exercício de compreensão da trama histórica, que envolve os eventos políticos que caracterizaram a identidade e memória em torno do controle do

poder no distrito de Itupeva no município de Medeiros Neto, Bahia. O recorte local desta pesquisa permitiu traçar um contorno, dentro do qual estudar como o mandonismo
ou coronelismo se manifestou no lugar entre os anos de 1950 e 1970. Desde a sua gênese, Itupeva teve sua vida política permeada de conflitos e disputas que marcaram a
memória coletiva da comunidade. Nesse contexto, destaca-se também a resistência dos populares contra um poder oficial que se identificava, agora, com o dos principais
fazendeiros da região, mas que também deixava espaço às negociações entre eleitores e políticos. Palavras-chave: Itupeva; Prefeitura de Medeiros Neto; mandonismo e coronelismo; 
 
O coronelismo e o mandonismo na política brasileira: um estudo de caso A formação política do Brasil é marcada desde a sua gênese por instituições de mando.
O mandonismo é um fenômeno, cuja história remete aos princípios da colonização brasileira, iniciada por Portugal. Para garantir a posse da terra, sem que houvesse a
necessidade de empregar grandes capitais nessa empreitada, a Coroa portuguesa, que nos idos de 1500 alcançara seus objetivos mercantis com a descoberta das rotas
marítimas para as índias, confiou à colonização das terras brasileiras a terceiros – nobreza e comerciantes. Para a monarquia, o investimento era lucrativo, pois além de
não gastar grandes quantias com a conquista da nova terra, lucrava com as taxações impostas aos colonos. Em contra partida, aqueles que vinham fazer o Brasil, lucravam
com os privilégios concedidos pela Coroa. Isso permitiu que se desenvolvesse, nessa terra, uma política pública com caráter privado, em pleno absolutismo. As terras foram
doadas aos capitães donatários, que tinham como prerrogativa “[...] o monopólio da justiça e autorização para fundar vilas, doar sesmarias, alistar colonos para fins militares
e formar milícias sob o seu comando”.
 
Deste modo, nas vilas, os contornos políticos delineavam formas peculiares, coma inserção dos chamados “homens bons” nas Câmaras Municipais. Estes geralmente
eram proprietários de terras e engenhos, ou pessoas vinculadas a eles e tinham como função decidir sobre variados traços da vida pública brasileira: “[...] incubiam-se, no
limite de suas atribuições, de todos os assuntos de ordem local, não importando que fossem de natureza administrativa, policial ou judiciária [...]”4. Isso fez com que o poder
de mando desses homens fosse ampliado ao longo do tempo. Leal (1997) ressalta que: [...] o fator básico dessa situação era o isolamento em que viviam os senhores rurais, livres, portanto, de um elemento efetivo de contraste de sua autoridade. Além disso, como constituíam a vanguarda da Coroa na ocupação da terra nova, defendida pelo gentio belicoso e ameaçada por outras potências européias, não era muito considerável a margem de conflito entre o poder privado da nobreza territorial e o poder público, encarnado no Rei e em seus agentes.
 
Por isso mesmo, a metrópole, não somente se resignava, ante a prepotência dos colonos, como ainda lhes conferia prerrogativas especiais. Protegia, por exemplo, os grandes fazendeiros contra a concorrência dos pequenos produtores de aguardente, mandando destruir as engenhocas; tornava as câmaras privativas dos proprietários de terras, vedando a eleição de mercadores; resguardava o patrimônio dos senhores de engenho, proibindo que fossem executados por dívidas etc. Por tudo isso, o latifúndio monocultor e escravocrata representava, a essa época, o verdadeiro centro de poder da Colônia: poder econômico, social e político.
 
Maria Isaura Pereira de Queiroz (1976), no seu estudo O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios, defende a ideia da apropriação do público pelo privado e de como essa característica particularizou a dinâmica da vida política e social do Brasil. Segundo a autora: Exerceram, pois, as câmaras municipais inteira autoridade em seus domínios. Nisto não faziam mais do que refletir o poderio dos latifundiários e seu interesse no governo local. Para estes senhores rurais, o interesse particular estava inextrincavelmente confundido com o interesse municipal; as resoluções tomadas pela Câmara Municipal não refletiam somente a preocupação com o bem comum e sim também a preocupação do senhor rural em defender seus interesses privados; não havia separação entre uns e outros porque a realidade econômica, política e social da Colônia eram os proprietários rurais. 
 
Essa apropriação do setor público resistiu ao tempo e às metamorfoses políticas e sociais pelas quais passou o Brasil ao longo de sua história. Mesmo com a chegada da
família real, as câmaras e os homens bons permaneceram influentes. O Rio de Janeiro, que já havia se tornado o centro administrativo do país, tornou-se o destino da elite
intelectualizada que se formara no Brasil. Em finais do século XIX, na transição entre o Império e a República, grandes fazendeiros do interior ganharam o título de coronéis da
Guarda Nacional, com bandos armados a seu serviço e com aval do Estado.
 
A política coronelista se configurou pelas amarras constituídas entre presidente, governadores das províncias e coronéis: assim, garantia-se a permanência dos grupos aliados na direção dos governos. Desse modo, o que atestou a força dos coronéis foi o poder de “barganha” que estes tinham para com o Estado. A possibilidade de troca aparece como uma necessidade de ambos, uma vez que para o Estado era imprescindível garantir a sua presença em todo o território nacional. Por outro lado, os coronéis asseguravam para si o aval das instituições para dirigi-las politicamente, de maneira que seu poder de mando permanece sólido. Encrencas e desavenças na terra do “pinga fogo” Em 1958, Itupeva toma um novo ímpeto com a emancipação política de Medeiros Neto, o que principiou as rivalidades no distrito e marcaram a sua história.
 
Este período é mencionado por aqueles que o viveram como a época das encrenca. Tivemos como protagonistas nessa trama o político Deolisano Rodrigues de Souza, também conhecido por Dozim, Oscar Monteiro da Motta e Antônio Rebouças. Foi nos idos de 1950 que Deolisano Rodrigues de Souza despontou no cenário político do Extremo Sul da Bahia: tornou-se prefeito de Alcobaça entre 1951 e 1955 e, logo após, entre os anos de 1955 e 1959, “foi vereador e presidente da Câmara [...].  Deixou a Câmara para ocupar o cargo de prefeito em 1957, substituindo Manoel Euclides de Medeiros” 7. A sua atuação política tomou maiores proporções, quando “foi eleito deputado da Bahia para a legislatura de 1963-1967” 8. A campanha para prefeito de 1951 teve repercussões locais que são lembradas pelos moradores mais antigos de Itupeva, como uma época em que a política era “boa”. A professora Emília Martins Santos, nos relatou um pouco sobre como foi a campanha eleitoral de Dozim no povoado: [...] vinha todo mundo a cavalo pra aqui, fazia o comício, depois do comício tinha aquela festança, manhecia o dia aí dançando no outro dia voltava a cavalo pra lá. E aí Dozim foi eleito e o povo gostou muito, governou muito bem, mas ele foi embora pra Alcobaça, ele teve que abandonar a fazenda e ir pra Alcobaça. E todo mundo achou que ele teve um governo muito bom [...] Seu testemunho nos fornece pistas para que possamos perceber alguns aspectos da prática política local. Neste sentido, a distribuição de bebida e comida à vontade, além do forró, funcionava como estratégia para prospecção de votos, sendo uma prática corrente até alguns anos atrás10. Essas características aparecem na análise que Leal (1997) faz da política coronelista no Brasil, quando indica que: “documentos, transporte, alojamento, refeições, dias de trabalho perdidos, e até roupa, calçado, chapéu para o dia da eleição, tudo é pago pelos mentores políticos empenhados em sua qualificação e comparecimento” (LEAL, 1997, p. 56). Além disso, os gastos financeiros com o eleitorado também era frequente, como nos mostra uma carta enviada em 1958, por José Alexandrino Souza morador da cidade de Águas Formosas – MG a seu filho Gercino Alexandrino Santos, morador de Itupeva: Aguas Formosas 6 de Outubro de 58.
 
Presado Filho Gercino Estimo que gose saúde e felicidade aqui tudo em paz grassas a Deus eu estou ainda perengo mais tem notado um pouco milhor as eleições
passou tudo em paz por que não teve adivercario para Prefeito e Juiz os UDN e PR não fizerão cadidato so votarão para Deputados como Juca não foi percizo castar dinheiro como nu outro pleito e nem os juiz os eleitor explorador e que não gostarão porque não ganharão nada sem mtº ate o momento lembrança a toudos Filhos e netos e amº
e aceite abrasso do teu inisquecivo Pae José Alexandrino Souza.
 
O que é curioso na carta é a referência que o nosso autor faz aos eleitores locais ao caracterizá-los como exploradores. Este é um aspecto importante que mostra outra
característica do eleitorado do interior do Brasil. Para Queiroz (1976), o eleitor sabe aproveitar o período de eleições e o usa em seu benefício. Por isso, [...] O momento da eleição não se configura como o momento da escolha do mais capacitado para exercer funções administrativas ou de mando; é o momento da barganha ou da reciprocidade de dons: o indivíduo dá seu voto porque já recebeu um benefício ou porque espera ainda recebê-lo. O voto, neste caso, assume o aspecto de um bem de troca [...] o voto não é inconsciente, muito pelo contrário resulta do raciocínio do eleitor, e de uma lógica inerente à sociedade à qual pertence. O problema do voto “de cabresto” se configura de
forma diferente; não se trata aqui de uma imposição pura e simples do coronel, sob pena de vinganças econômicas ou outras; trata-se de uma determinação do eleitor de utilizar seu voto de maneira que redunde para ele em maior benefício.
 
Depreendemos aqui que, apesar do eleitorado não estar munido ideologicamente para a atuação política, ele forja à sua maneira, meios para intervir no processo. A indiferença apontada por Leal (1997) assume para esta autora uma função estratégica. Dessa maneira, a utilização das estratégias assinaladas permitiu a Dozim o êxito
nas eleições para prefeito de Alcobaça. A emancipação política de Medeiros Neto, em 195812 e a consequente transferência administrativa de Itupeva para o novo município
fez emergir novas forças políticas no vilarejo, com a eleição de um número expressivo de vereadores itupevenses para o legislativo municipal de 1959. De acordo com Oscar
Monteiro da Motta, conhecido em Itupeva por Seu Oscar (morador e político local desde 1958): “[...] foi eleito Dionote como vereador [e] Afanio Santos Lima que é
parente de seu Abel” 14. Os vereadores eleitos eram correligionários de Seu Oscar e Dozim e também proprietários de terras em Itupeva. Ao relatar sobre o processo de
deposição do prefeito Jorge Maron, Seu Oscar nos dá pistas sobre o contexto político municipal da época.
 
[...] Aí houve lá uns problema e botamo esse homem pra fora, né? E o... o prisidente na época tinha uma câmara muito bem organizada, tinha pessoas formada também na câmara, né? [...] tinha doutor Deusdete, esse povo tudo foi vereador e eu fiquei na retarguarda, porque num conhecia nada né e... o prisidente da câmara quando foi
pa votar o impetcheman do, do... prefeito eu era vice-prisidente, mas num conhecia de nada. Eu fui aprendendo com aqueles que tinha prática, né... então quando no dia de, de... que teve a reunião pra votar no impetcheman do prefeito, o prisidente da câmara teve que afastar porque num tinha vice-presidente nesse tempo [...] Com relação ao episódio, o material bibliográfico desenvolvido pelo CEDROS (Colégio Estadual Deolisano Rodrigues de Souza) nos diz que: [...] sua gestão foi marcada por muitas turbulências políticas. Foi muito perseguido e, destituído do cargo na base da força policial sob o comando do coronel Deolisano Rodrigues, fato ocorrido no início
do regime militar.
 
Soldados vieram da capital do Estado, armados de fuzis, o tiraram do comando do município sem a participação da câmara Municipal ou Poder Juduciário [...] A presença de efetivo policial da capital do Estado em Medeiros Neto para forçar a destituição do prefeito coincide com o período em que Dozim passa a compor o
legislativo estadual da Bahia, o que assinala a continuidade da política coronelista ainda na segunda metade do século XX. Em entrevista, Dionísio Gonzaga17 menciona também a respeito deste fato: [...] em qualquer história de política nos anos sessenta, quem era oposição os mandatário o cara era discriminado, todo mudo tinha que
ser o que o Governo queria, o Governo de cima pra baixo, não é? Nessa década aí eles não falam que lá em Medeiros Neto arrebentaram até porta da prefeitura pra depor o prefeito, eles só falam que Antônio Rebouças era pistoleiro [...] aqui eles tinham os comandados aqui que seguiam a linha ideológica deles, eles é que tinham o dinheiro, ês tinha o dinheiro e tinha os caras e tinham, como é que fala, os bate pau aí, os correligionários, entendeu? Eles não viam, mas mandava, tanto que, como eu te falei que na década, parece que foi na década de sessenta e quatro, se não me engano sessenta e cinco por ai é, um dos cara que tava lá, é escorando a porta da prefeitura em Medeiros Neto era, era, foi o filho de seu Deolisano Rodrigues, foi Ivan, era um das lideranças, pra depor Jorge Maron, tirou o cara na marra, acho que foi isso mesmo, Jorge Maron seu não me engano [...]
 
Esta outra narrativa elucida o quão violentos foram estes dias nessa região. Em Itupeva, para fazer frente aos mandões locais, emerge no decênio de 1960, a figura de
Antônio Rebouças, proprietário de terra e comerciante na localidade. Tanto Seu Oscar quanto Antônio Rebouças tinham comércio e terras no povoado. Nessa mesma época,
tiveram início as encrencas, que foram preludiadas por uma festa que Antônio Rebouças fizera em sua casa no dia de São João, como aponta Izildete Menezes19. 7
[...] Quando foi um dia chegou Oriel Rocha, uns cumpade dele muito amigo era... os mió daqui nesse tempo. Juntou aqui uns quatro home casado, um dia de São João, falou assim: “vamo fazer uma visita a Rebouças? Ele é muito papudo assim, peitudão, vamo lá, dançar na casa dele?” Chegou arranjou um tocador, eee... um safonero e foi
tocano, acho que umas vinte a trinta pessoa. Chegou na frente da casa tocou e chamou ele, ele tava lá dentro de casa, abriu a porta e recebeu esse pessoal, era... dois ele era cumpadi de dois. Recebeu seu Oriel muito feliz, satisfeito, deu... num ficou cum raiva não, né? Recebeu direito, mandou entrar, disocupou uma sala.
 
Nesse tempo num tinha sofá não, desocupou uma sala lá da mesa e tudo eee... pra eles dançar, toco, dançô, mandô fazer farofa, mandô comprar bebida na rua, cachaça e um vin pra ês tomar, e mandô comprar carne e pagô a mulé... umas mulé lá pa fazer farofa lá na cozinha, fez farofa pra esse pessoal. Eu sei, ficou lá até uma base de doze horas da noite, ficou lá.
Dançano e comeno e conversano e tudo. Manheceu o dia, Seu Os... disse que Seu Oscar falô: “Deus me livre, eu num dormir essa noite aqui, porque aqui em casa essa noite teve um... um redevú, um cabaré aqui pegado ni minha casa e num dexô ninguém durmi”. Antono Rebouça ficou muito sentido por aquilo, de chamá a casa dele daquilo, que num foi ele que fez. [...] Contudo, apesar da justificativa de que as rixas se iniciaram com o episódio citado, é possível que a desafeição entre eles já datasse de período anterior, pois é difícil acreditar que uma simples festa pudesse se transformar em um emaranhado de perseguições. Além do mais, a fala de Euclides Silveira21 sugere que Antônio Rebouças residia em outra parte do distrito até que decidiu comprar “[...] uma casa pregado com a casa de Oscar pra vim pa pirraçar Oscar. Ficou junto da casa de Oscar” 22. Euclides Silveira menciona ainda, um episódio em que Antônio Rebouças armou uma emboscada para Oscar, do quintal da sua casa:
 
Um dia ele não atirou no Véi Oscar, ele morava na casa aqui e a dele aqui, pela janela aqui, ele vendo Oscar lá dentro no quarto dele, ele levou o revólver [...] Antônio Rebouça levou o revólver ni Oscar, pra
matar, mais Veraldino, num tava vendo também não, tava lá dentro da casa trabalhando mais Oscar. Passou na frente assim, aí Antonio Rebouças num pode atirar ni Oscar. Oscar foi e fez aquele muro entre as duas casas, aquele murão que desce lá embaixo. O que eu sei a política aqui é quente.  Esse é um dos acontecimentos da época das encrencas mais citados pelos moradores de Itupeva. Às vezes, varia-se o personagem que acompanha Oscar no recinto e, o próprio ambiente da narração. Isso revela que a questão da violência e ameaça de morte aparecia de forma corriqueira no contexto histórico em debate. Depois deste episódio a situação se agravou, como nos relata José Siprião24. Segundo ele,  era Dosinha, era o finado Cicilo, tudo é... tudo pistolêro. Era pau-véi, tudo tomano a frente pra num deixar matar Oscar. Aí foi ele... vô, vô... Já o Sargento Pedro era dono de tudo, então todo mundo respeita... mas logo logo ês mataram o Sargento Pedro. Aí agora Itupeva ficou sem, sem ondé que a gente escorava, escondia detrás, sem lei. Que o Sargento Pedro era brabo. Era brabo, ninguém [ia] nas água dêle não.25 Este foi outro fato que marcou a memória local. A morte do Sargento Pedro. Esta aparece nas falas das pessoas como o apogeu da violência praticada no lugar. Josué Oliveira26 conta como aconteceu: [Antônio Rebouças] [...] veio com licença, porque ele teve preso, e deu a condicional pra ele passear, visitar a família, e acho que ele vinha pra casa [...]. Fez uma denúncia contra ele, que ele estava aqui pra perseguir alguém, né? E aí a polícia veio, o comando de Nanuque  a procura dele né? Mais só que quando eles chegaram aqui, mais foi pra Umburatiba na fazenda dum Retim lá, aquele Retim era muito amigo [de Antônio Rebouças] [...] Aí passaram aqui [em Itupeva]. O carro passou aqui, Sargento Pedro tava aí: “não, eu vou com vocês e tal, eu vou com vocês”. Segundo o comando: “não, não rapaz nós somos de Minas, nós num pricisamo, pricisamo de... tamo pricisano de ninguém não... o pessoal que eu tô levano aí é... o comando aí dá pra, vou fazer a busca lá, ver se encontra ele lá, não precisa de... não precisamo de força daqui da Bahia não”. Aí o Sargento insistiu muito, acabou indo com Cardoso [...] foi pra Umburatiba e de Umburatiba foi lá pra zona né.
 
Chegano lá o, a zona tava fechada né? Mas... chegaram os carro, chegaram com aquele barui lá, tinha uma
mulher lá, levan... tava com um policial lá, no quarto lá, a mulher levantou, que viu aquele movimento, saiu pra ver, quando viu que era a polícia, a mulher saiu correno. Aí dizem, que o Sargento correu pra acompanhar ela, achano que... segundo, achano tava com... com [Antônio Rebouças] [...] né. Aí a mulher... correu gritano... ela tava com um policial, o policial aaaa... abriu a porta, topou de cara com o Sargento, cabou baleano né. [...] O Cardoso que deitou no chão na hora que ele caiu, deitou do lado, e o policial deu um bocado de tiro né? Quando, passou um instantim, que chamô ele, o cara tava era morto já, né. E [Antônio Rebouças] [...] tava bem na fazenda desse Retim, lá perto de Umburatiba. 
 
Este incidente ocorreu no dia 15 de janeiro de 1970 e, apesar da morte do Sargento Pedro não ser atribuída diretamente a Antônio Rebouças, o fato resultou das
intrigas que se desenrolaram em Itupeva durante a década de 1960. Como o pavor da morte era algo presente no cotidiano desses personagens, o menor sinal da presença do inimigo se tornava motivo para os ânimos se exaltarem. Com isso, fica claro que os embates travados durante os anos de 1960 tornaram-se símbolo de violência e repressão para seus habitantes. Estes acontecimentos nos fazem compreender que a sociedade itupevense, ao longo de sua existência, consolidou uma memória e identidade próprias, cujos traços culturais, sociais e políticos dão tonalidades específicas a sua construção histórica.
 
Considerações finais
 
O exame dos pinga fogo como estratégia política, ou seja, o uso de festas e dinheiro  como barganha eleitoral nos possibilitou verificar a utilização da coisa pública como
meio para adquirir benefícios particulares. Dentre outras coisas, isso nos revelou como a população interiorana forjou, à sua maneira, estratégias para se beneficiar durante as eleições. Além do mais, a prática do mandonismo possibilitou a permanência prolongada de um grupo político no poder e o subsequente corolário de conflitos com os
grupos rivais. Esses desentendimentos tiveram seus impactos na política municipal, uma vez que as disputas do distrito convergiam para a sede.
 
Neste sentido, a atuação de personagens itupevenses nos acontecimentos políticos medeirosnetenses, como a expulsão do prefeito Jorge Maron do executivo, nos remete à ideia de que os pinga fogo iam além das artimanhas eleitorais e se estendiam ao universo da violência provocada pelas rivalidades políticas. Em Itupeva, a disputa
pela direção do distrito foi agravada pelas difamações e tentativas de assassinato, o quedeu origem a bandos armados que transitavam por suas ruas. O ápice dessas rixas se dá com a morte do Sargento Pedro, em 1970, o que marcou a memória local. Estes acontecimentos fizeram com que o período fosse denominado como época das encrencas, devido o grau de violência e morte a que estas chegaram.
 
O estudo destes fatos nos faz compreender como as práticas mandonistas, que teve como característica durante a Primeira República o coronelismo e que foi extinto nos anos 1930 pelo governo Vargas, persistiu ao longo do século XX no interior do país, o que possibilitou a permanência de determinados grupos na direção política. Entretanto, os episódios que se passaram em Itupeva permitiram a consolidação de uma memória e identidade próprias, cujos traços culturais, sociais e políticos dão tonalidades específicas à sua construção histórica.
Por
Leonardo do Amaral Alves
 
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